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O ano era 2009. Na TV brasileira, em horário nobre, havia publicidade celebrando a auto-suficiência energética brasileira e a benção do pré-sal. Parlamentares no Congresso Nacional disputavam avidamente onde iriam as receitas da exploração do petróleo em águas profundas.

Na ONU, houve uma negociação crítica: a 15a Conferência das Partes da Convenção Quadro sobre Mudança do Clima, em Copenhague. Foi um fracasso. Mas o Brasil levou a ela uma proposta ambiciosa de redução de desmatamento e emissões, para o ano de 2020. Foi a primeira vez que admitiu meta internacionalmente e que inscreveu em lei o suposto destino da economia nacional. Nada sobre petróleo, gás ou fósseis.

O Brasil estava tendo sucesso na sua política anti-desmatamento, cujo resultado era um nível historicamente baixo, medido pelo INPE na Amazônia. Começava a borbulhar uma conversa sobre a mudança no perfil de emissões do Brasil nas próximas décadas: tornaria-se menos florestal e mais energético?

Àquela altura, os segmentos associados à energia fóssil começaram a coçar suas cabeças. Podiam contar com a polpuda campanha de desinformação no plano internacional para permanecer como principal fonte de energia mundial e, no plano nacional, com o desmatamento altíssimo, que provinha cortina de fumaça. Mas até quando?

O desafio se materializou na arena pública. Em uma lei aprovada pelo Congresso Nacional em 29 de dezembro de 2009, um artigo tratava do paulatino abandono do uso de fontes energéticas que utilizem combustíveis fósseis. Significaria manter a rota de matriz limpa e evitar a “carbonização” da matriz, principalmente de transportes.

O presidente à época – Lula da Silva – vetou. As justificativas contidas na mensagem de veto foram as seguintes: “A atual política energética do país já tem priorizado a utilização de fontes de energia renováveis em sua matriz e obtido avanços amplamente reconhecidos no uso de tecnologias limpas. Uma das balizas dessa política é o aproveitamento racional dos vários recursos energéticos disponíveis, o que torna inadequada uma diretriz focada no abandono do uso de combustíveis fósseis.

A estratégia para o setor deve atender aos princípios e objetivos estabelecidos pela Lei no 9.478, de 6 de agosto de 1997, que congrega a proteção ao meio ambiente a outros valores relevantes para a política e a segurança energéticas.”

As companhias ligadas aos combustíveis fósseis respiraram aliviadas. No período entre 1990 e 2008, as emissões absolutas do setor de petróleo e gás no Brasil haviam aumentado cerca de 115%. A Petrobrás se defendia dizendo que, apesar do crescimento absoluto, havia uma queda na relação de emissões de GEE por tonelada equivalente de petróleo produzida de cerca de 32%, por aumento da eficiência nos processos e queda na fuga de gás flare. Uma espécie de “emissões evitadas” oriundas de um país em desenvolvimento, que ainda deveria se desenvolver.

Nos anos seguintes, o governo federal apostou com força na política de estímulo ao consumo e no investimento na cadeia do petróleo. O governo também des-priorizou os biocombustíveis. O pré-sal era apresentado como a grande oportunidade de desenvolvimento nacional, indicando que com a confirmação das reservas provadas, o Brasil se tornaria a Arábia Saudita da América do Sul. A aposta era que figuraríamos entre os 10 maiores detentores de petróleo e gás do mundo em uma década.

Passada uma década, a Petrobras de fato se tornou a segunda maior corporação operando no mundo, ficando atrás apenas da saudita Aramco, segundo pesquisa publicada na revista Science Advances pela Universidade de Duke em parceria com o Centro de Resiliência de Estocolmo. A exploração do pré-sal não nos permitiu dar um salto econômico: não nos deu passaporte para uma economia nova e livre de emissões, nem ajudou a consolidar nossa economia.

Ainda assim, continuamos subsidiando com cerca de 98 bilhões de dólares por ano o segmento. Direcionamos mais recursos do contribuinte para subsidiar o setor de Petróleo e Gás do que será economizado com a Reforma da Previdência.

Enquanto as maiores empresas mundiais de petróleo e gás já começaram a investir pesadamente no desenvolvimento de fontes renováveis de energia, o plano de investimento da Petrobrás para o período 2021-2025 reservou apenas 1 bilhão de dólares – dos 55 bilhões disponíveis – para financiar fontes renováveis e ações de mitigação de emissões.

Para efeito de comparação, a empresa italiana de petróleo e gás Eni pretende cortar as emissões absolutas em 80 por cento nos próximos 30 anos, enquanto a BP pretende ser zero em carbono em sua produção upstream até 2050.

Nesse momento em que nem a Arábia Saudita quer continuar sendo a rainha dos combustíveis fósseis e mira um modelo de desenvolvimento pós-petróleo, o Brasil precisa considerar o paulatino abandono das fontes intensivas em gases de efeito estufa. A Petrobras pode mais do que ser apenas petroleira por mais 30 anos. Voltar 11 anos atrás? Não, pensar nos 10 anos à frente.

Como disse um amigo outro dia, enquanto as lideranças políticas mais importantes do país falam de “óleo, gás e carro para movimentar a economia e de ameaças dos EUA ao pré-sal, o resto do mundo está declarando moratória à exploração de petróleo em mares e terras públicas, e defendendo a descarbonização”. Tem quem considere “desfaçatez” criticar essa história do futuro do Brasil. Considero prudente, antes e hoje também.

*Artigo publicado na revista Época – 13/03/2021