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Desde que a pauta das mudanças climáticas chegou ao Brasil, alguns políticos, tanto de esquerda quanto de direita, rechaçaram o tema em prol de uma vaga e incorreta noção de desenvolvimento. Se hoje um dos grandes expoentes desse negacionismo é o ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo que, com suas teorias da conspiração e pouco apreço pela ciência, já afirmou que a “ideologia da mudança climática” é criação da esquerda, Aldo Rebelo, ministro no governo Dilma, no passado chegou a classificar a ciência das mudanças climáticas como uma “doutrina de fé”. Mas se as emissões de gases de efeito estufa seriam para gerar riqueza, o que justifica o seu aumento em meio à maior crise econômica que o país enfrentou no século 21?

No início do mês, o Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), uma iniciativa do Observatório do Clima, divulgou dados de emissões e de remoções de gases de efeito estufa no Brasil, por município. Os dados apresentados nos levam a importantes conclusões e reflexões sobre os caminhos que o Brasil pode seguir para fazer a sua parte no enfrentamento das mudanças climáticas, bem como refutam as políticas anacrônicas de quem ainda associa desenvolvimento à devastação.

Os dados divulgados demonstram que as emissões de gases de efeito estufa no país concentram-se em municípios que contribuem muito pouco para o PIB e onde vivem poucos habitantes. Dessa forma, ao evitar o desmatamento nessas localidades, o Brasil cumpriria papel fundamental no controle climático, sem que houvesse impacto significativo na economia. Muito pelo contrário, aderir à agenda climática traz benefícios econômicos adicionais, como mostra o estudo “Uma nova economia para uma nova era”, do World Resources Institute: se começarmos a implementar hoje as políticas de baixo carbono de que precisamos, isso pode resultar em um aumento do PIB brasileiro projetado de 2,8 trilhões de reais e gerar 2 milhões de empregos a mais do que no cenário de manutenção do modelo atual, conhecido como “business as usual”. Um país que, na última década, foi da 6ª posição entre as maiores economias do mundo para a 12ª não pode desperdiçar esta oportunidade!

É fundamental reforçar a importância de iniciativas como o SEEG, que garantem o conhecimento de valiosas informações aos brasileiros e aos pesquisadores de todo o mundo. Os dados ficam disponíveis ao público, mesmo em cenários de menor transparência por parte do poder público. O Sistema de Registro Nacional de Emissões (SIRENE), desenvolvido e gerido pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) é a fonte oficial de dados sobre emissões e sumidouros de gases de efeito estufa do governo federal. Contudo, os dados no SIRENE não são atualizados desde 2016, de modo que o SEEG é, atualmente, a única fonte de informações atualizada sobre o assunto. 

Entre as principais conclusões e reflexões sobre os dados disponibilizados pelo SEEG, destacamos o fato de que as emissões brasileiras se concentram em municípios da Região Norte, a despeito do senso comum que esperaria que as cidades grandes do sul e do sudeste liderassem este ranking.

Os três municípios que mais contribuíram com emissões de gases de efeito estufa no Brasil estão na Amazônia. São eles, respectivamente: São Félix do Xingu (PA), Altamira (PA) e Porto.

Velho (RO). Dos 10 maiores emissores, 6 estão na Região Norte. Além disso, destaca-se o fato de que as emissões de São Félix do Xingu (PA) são muito superiores às emissões de São Paulo, por exemplo, o município mais rico do Brasil. Enquanto São Paulo emitiu 18,0 Mt de CO2e em 2018, o município paraense emitiu 29,8 Mt de CO2e no mesmo ano. São as riquezas do povo brasileiro e o futuro das próximas gerações sendo queimados para dar lugar a atividades econômicas cuja riqueza fica concentrada na mão de pouquíssimas pessoas e empresas. 

Os dados reforçam que o desmatamento é o principal vilão das emissões brasileiras, superando em muito as emissões de outros setores como indústria, geração de energia e transporte. De acordo com o SEEG, as emissões decorrentes da mudança do uso do solo (ou seja, a substituição de florestas por outra ocupação do solo), em 2019, estão muito próximas das emissões dos outros dois setores que mais emitem GEE (energia e agropecuária) somados. 

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Produto Interno Bruto (PIB) de São Paulo em 2018 foi mais de 700 vezes maior que o do município paraense. A relevante diferença também se manifesta em termos populacionais. A capital paulista supera em mais de 11 milhões de habitantes a população de São Félix do Xingu. Em termos mais específicos, São Félix do Xingu tem uma emissão per capita anual de aproximadamente 225,3 toneladas de CO2e por habitante, enquanto para o município de São Paulo, esta relação é de 1,6. Em termos comparativos, os dados são ainda mais chocantes: o país com maior emissão per capita no mundo é o Catar, com aproximadamente 40 toneladas de CO2e por habitante, enquanto os Estados Unidos emitem, em média, 16.

Estes dados demonstram que as emissões brasileiras concentram-se em locais com poucos habitantes e que geram, comparativamente, pouca riqueza. Ou seja, conter as emissões de gases de efeito estufa significaria poucos sacrifícios ao Brasil. Mais ainda, investir na bioeconomia com o intuito de reduzir as desigualdades sociais na mesma medida em que preservamos e restauramos a Floresta Amazônica traria mais desenvolvimento e bem estar para as populações da região, para todos brasileiros e para o equilíbrio climático do planeta.

Os dados do SEEG demonstram, ainda, que o Brasil descumpriu a sua meta de redução de emissões de gases de efeito estufa, proposta em 2009, para o ano de 2020, embora esta meta tenha sido considerada pouco ambiciosa na época de sua concepção. Isto é preocupante, porque os cálculos destas metas consideravam um crescimento da economia brasileira que não se confirmou. Ou seja, o Brasil cresceu menos do que o previsto e emitiu mais gases de efeito estufa do que planejou – um “perde-perde” ambiental e econômico.  

Os esforços do Brasil para lidar com as mudanças climáticas, em termos de redução das emissões, devem ser direcionados, portanto, principalmente à redução do desmatamento. O país ocupa uma situação privilegiada, segundo a qual resultados significativos podem ser alcançados com menos esforço e gastos do que na maioria dos países.

Assim, dentre os muitos benefícios relacionados à manutenção das florestas de pé, este esforço também é essencial para o Brasil cumprir a sua parte no desafio global de enfrentamento das mudanças climáticas. Além de salvaguardar a legitimidade internacional do país, essa escolha traz mais benefícios sociais e econômicos para os brasileiros, sobretudo os que moram nas regiões afetadas pelo desmatamento e pela violência fundiária. Afinal, proteger o meio ambiente e todas as suas riquezas naturais e culturais parece muito mais positivo do que passar a boiada e substituir a floresta por monoculturas que geram poucos empregos e não distribuem renda. 

Cassia Moraes é mestre em administração pública e desenvolvimento pela Universidade de Columbia, CEO do Youth Climate Leaders (YCL), embaixadora Planetiers e Membro do Conselho Regional para a América Latina da iniciativa Making Cities Resilient 2030 da UNDRR.

André de Castro dos Santos é pesquisador, doutorando em alterações climáticas e políticas de desenvolvimento sustentável pela Universidade de Lisboa, membro do Conselho Consultivo Acadêmico do YCL e advogado membro da Latin American Climate Lawyers Initiative for Mobilizing Action (LACLIMA).

*Artigo publicado em 13/03/2021 no Uol Ecoa.