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O Acordo de Paris relativo à mudança do clima estabeleceu a meta global de zerar as emissões de carbono na metade do século. Ela requer uma mudança na base da economia: de um sistema dependente de petróleo e carvão para outro, livre de emissões fósseis e de desmatamento.

Mais de cem países já adotaram compromissos nesse sentido: Reino Unido, Alemanha, França, Espanha, Noruega, Dinamarca, Suíça, Portugal, Nova Zelândia, Chile, Costa Rica prevêem descarbonização total até 2050, Suécia em 2045, Islândia e Áustria até 2040, e Finlândia em 2035. O pequenino Reino do Butão e o nosso vizinho Suriname, país com maior percentual relativo de florestas do planeta, já são carbono negativo – eles absorvem mais carbono do que emitem.

Essa convergência é positiva. Mais importante ainda, um número crescente de governos está traduzindo o compromisso em estratégias econômicas e de retomada verde.

Os mercados estão de olho, e muitas empresas estão correndo nesta direção. No sábado, dia 12 de dezembro, no palco virtual do Climate Ambition Summit, organizado pelo Reino Unido como reunião preparatória para a 26ª Conferência das Partes da Convenção da ONU sobre Mudança do Clima no ano que vem, além de Chefes de Estado, lideranças empresariais, como o CEO da Apple, Tim Cook, colocaram na mesa a neutralização de emissões ainda nesta década.

Do Brasil, ouviu-se o CEO da empresa de aluguel de automóveis Movida, Renato Franklin. Ele apresentou um compromisso notável: a empresa vai zerar as emissões até 2030 e se tornar carbono positiva antes de 2040.

O governo do Brasil foi barrado no baile. Porém, entramos na lista dos países com alguma meta de longo prazo. E, antes de dizer o que eu acho disso, quero contar a história do presidente da República que, de forma inédita, sinalizou a visão de livrar o país de emissões em 2060: Michel Temer.

Em 2018, Temer pediu, em carta assinada pelo próprio, que o Fórum Brasileiro de Mudança do Clima, liderado pelo saudoso ambientalista Alfredo Sirkis, estudasse o que seria necessário para o Brasil zerar suas emissões líquidas de gases causadores do efeito estufa até 2060. Deu então 120 dias de prazo, contados a partir de 10 de agosto daquele ano, para um grupo de cientistas trabalhar em cenários econômicos e apresentar recomendações para sua implementação.

Naquele período, uma equipe do Centro Clima da UFRJ, comandada por Emílio la Rovere e Carolina Dubeaux, desenvolveu o estudo que foi em seguida discutido e validado por um grupo mais amplo de instituições públicas e privadas e apresentado em sessão com o Itamaraty na COP-24 na Polônia .

Em 27 de dezembro de 2018, quatro dias antes de deixar o Palácio do Planalto, Temer recebeu das mãos de Alfredo Sirkis, então coordenador do Fórum Brasileiro, o mapa do caminho para zerar as emissões até 2060. O estudo apontou que a neutralidade de emissões ofereceria ao Brasil oportunidades econômicas importantes como um expressivo aumento de emprego e renda.

Na proposta, a descarbonização do país passaria pela definitiva redução das emissões relacionadas ao uso da terra – especialmente perda de vegetação. Essas emissões deveriam se tornar negativas já em 2030. No longo prazo, esse tipo de emissão cairia cerca de 150% até 2060, em relação aos níveis registrados em 2005, ano pico da taxa de desmatamento na Amazônia.

Temer passou a proposta junto com a faixa presidencial a Bolsonaro. Nunca mais se teve notícia sobre ela por parte das autoridades federais. Na semana passada, dois anos depois daquele esforço e por coincidência no dia em que Sirkis faria 70 anos, o governo brasileiro submeteu à ONU uma promessa de neutralidade climática (termo que ninguém sabe ao certo o que significa) até 2060.

Deixando de lado a falta de clareza técnica e linguística do termo adotado, é possível assumir que o Brasil tenha colocado na mesa um indicativo de neutralidade de emissões de gases de efeito estufa até meados do século.

Não houve consulta prévia à sociedade, aos atores privados nem a notórios sabedores, como aqueles que trabalharam em torno do pedido do presidente anterior. Uma oportunidade perdida: tivesse reaberto o diálogo sobre o assunto, o governo Bolsonaro certamente teria recebido amplo apoio e bons conselhos sobre como melhor nos representar.

Por agora, é preciso indicar que a promessa que Bolsonaro entregou à ONU é insuficiente, pois se trata de uma descarbonização atrasada. O problema não é que mire 2060 e sim, que o governo não se comprometa a fazer o necessário nesta década, em especial nos próximos dois anos, para combater as causas das nossas emissões.

Inclusive, o governo não justificou a mudança dos parâmetros técnicos em relação às metas de 2025 e 2030, como alertei na coluna da semana passada. Em nota de esclarecimento de 15 de dezembro, o Itamaraty fez juz à famosa frase de Pedro Malan: “No Brasil, o passado é incerto e o futuro é duvidoso”.

É preciso colocar as mãos à obra. O Brasil assumiu em lei o compromisso com a redução de 36% a 38% das emissões totais de nossa economia para 2020, através da lei da Política Nacional de Mudança do Clima, de 2009. Falhamos: a projeção preliminar para 2020, dada pelo SEEG, é que a meta foi perdida devido ao aumento do desmatamento na Amazônia.

Bolsonaro tem que começar a trajetória de descarbonização até 2060 pactuando com a sociedade quando e como vamos alcançar a meta perdida de 2020, preferencialmente já em 2021. A ala econômica precisa se mostrar mais atenta às oportunidades da transição climática imediata e seu poder de atração de investimentos. É preciso dar um salto agora: custará mais barato do que deixar pra depois e nos oferecerá benefícios, enquanto ainda temos alguma vantagem competitiva por conta da energia limpa e da abundância de florestas.

*Artigo publicado na revista Época – 16/12/2020