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Jornal O Globo – 09 de maio de 2024

*Guilherme Syrkis e Fernanda Westin Wills

A tragédia que assola o Rio Grande do Sul é um chamado urgente para que o Brasil se adapte aos eventos climáticos extremos. Um levantamento do Centro Brasil no Clima (CBC) revela uma realidade alarmante: apenas três dos 27 estados brasileiros têm planos de adaptação climática atualizados. A maioria dos estados sequer conta com um plano estruturado, enquanto outros precisam de atualização ou complementação.

Este cenário evidencia a necessidade de colocar as políticas de adaptação no topo das agendas dos governos estaduais. Adaptar nossas cidades requer investimentos em infraestrutura resiliente, que oferecem retorno financeiro de longo prazo, embora de baixa atratividade imediata. Para viabilizar esses projetos, é necessário utilizar instrumentos inovadores de financiamento, como o blended finance, que combina recursos públicos, privados e filantrópicos.

Os investimentos em adaptação são imprescindíveis e têm potencial para gerar empregos e impulsionar o desenvolvimento regional. No entanto, o Brasil precisa criar uma ampla rede de especialistas locais. Esse capital humano é essencial para planejar e implementar medidas efetivas de resiliência, levando em conta as particularidades de cada região e os tipos de eventos extremos a que estão expostas.

É preciso registrar que muitos dos planos de emergência nos estados e municípios são precários e deixam a população vulnerável. Assim, é fundamental criar núcleos de emergência bem estruturados e com comunicação rápida e direta, capazes de abrigar e atender às pessoas com dignidade e eficiência. É imprescindível a realização de obras de contenção de encostas, diques, barragens e açudes e a desocupação de áreas de preservação permanente.

Os recursos dos estados voltados para as mudanças climáticas são escassos. Dos oito fundos estaduais para financiar as questões voltadas às mudanças do clima que existem, apenas cinco funcionam. Os Planos Plurianuais quase não incluem a questão climática dentre as iniciativas planejadas e no orçamento.  O novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) oferece recursos insuficientes para as medidas de gestão ambiental e climática e o congresso nacional vai na contramão ao alterar o código florestal. Há ainda a urgência em rever os projetos de construção de casas populares em áreas de risco, preparar infraestrutura urbana para os novos cenários e investir em educação pública sobre o tema, incluindo a variável adaptação no planejamento público e nas iniciativas privadas.

É imprescindível uma maior integração entre os diferentes níveis de governo, destacando o papel central dos estados. Os Fóruns Estaduais de Mudanças Climáticas precisam ser fortalecidos, ter caráter permanente e contribuir para a disseminação de boas práticas e soluções inovadoras. Precisamos de uma união nacional em torno da priorização das políticas de adaptação às mudanças climáticas e da melhoria do atendimento a emergências.

As tragédias, como a do Rio Grande do Sul, são um lembrete doloroso de que a adaptação às mudanças climáticas não pode mais esperar. É hora de agir com visão de longo prazo e abordagem sistêmica, investindo em capacitação técnica, infraestrutura resiliente, aprimoramento dos planos de emergência e maior integração entre os entes federativos. Somente com um esforço conjunto e coordenado poderemos construir um Brasil mais preparado para os desafios climáticos, protegendo vidas e patrimônios, e garantindo um futuro sustentável para todos. A adaptação é um imperativo, e precisamos abraçá-la com serenidade, assertividade e sensibilidade.

*Guilherme Syrkis é Diretor Executivo do Centro Brasil no Clima e Fernanda Westin Wills é Consultora Sênior do Centro Brasil no Clima

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