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Neste artigo, Sérgio Besserman, do Climate Reality Project Brasil, traz a questão da justiça climática como um problema urgente a ser endereçado

Por Sérgio Besserman *

Em 1992, na maior reunião de chefes de Estado da história humana, a Rio 92, foi criada a Convenção Quadro das mudanças climáticas e ratificado o acordo pelo qual o Princípio da Precaução tornava imperativo evitar um aumento da temperatura média do planeta superior a 2° Celsius até 2100 em comparação com 2018. 

O Princípio da Precaução é uma regra elementar na gestão de risco: se existem riscos potenciais ou incertezas de impacto muito alto e que, de acordo com o estado atual do conhecimento, ainda não podem ser identificados, a precaução se impõe.

A transição para o baixo carbono terá de ser feita com justiça climática.

Contudo, não foi o que ocorreu. Em 2021, após 25 conferências das Partes – países – que aderiram à Convenção Quadro, as COPs, ainda na pandemia, o recorde de emissões de gases de efeito estufa foi batido. Em 2022, resultou um pouquinho menor por conta da redução do nível de atividades na China. É fácil prever que 2023 terá um novo recorde de emissões de gases de efeito estufa foi batido. Em 2022, resultou um pouquinho menor por conta da redução do nível de atividades na China. É fácil prever que 2023 terá um novo recorde de emissões de gases que esquentam o planeta. Bem pouco precavido, é o mínimo a dizer.

Mais ainda porque, de 1992 a 2022, o avanço da ciência, com muito mais recursos para pesquisas e ferramentas tecnológicas incrivelmente potentes, e as descobertas sobre os impactos das mudanças do clima já haviam levado o Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC) a propor a revisão do Limite do Perigo (a partir do qual o Princípio da Precaução se impõe). Acatado por todos em 2018, tal a força das evidências, ele passou a apontar para um aumento máximo da temperatura média do planeta de 1,5° Celsius até 2100.

Para que essa meta seja alcançável, as emissões deveriam reduzir 43% até 2030 e chegar a zero líquido em 2050. Nos próximos anos, a tensão em torno da expectativa de vida da meta de 1,5° Celsius será enorme, como o corajoso discurso do Nobel da Paz e ex-vice-presidente dos Estados Unidos Al Gore, em Davos, deixou claro. 

O futuro depende de nossas escolhas e ainda há tempo para evitar os piores cenários do aquecimento global. Mas, a cada ano de atraso no início de uma redução muito veloz das emissões, a realidade se torna mais complexa. Posteriormente, o ritmo teria de se acelerar de forma obrigatória para compensar o atraso.

Do lado da economia, a inaceitável demora já esgotou o tempo para uma “aterrissagem suave”. Se a meta de 1,5° Celsius for mantida (se não for, a catástrofe é certa), ativos intensivos em carbono serão depreciados muito rapidamente, investimentos serão desvalorizados da mesma forma e as crises resultantes dificultarão bastante a mobilização dos recursos para a transição.

Ainda mais graves, os impactos das mudanças do clima são assimétricos, atingindo muito mais fortemente os países e as populações pobres, os povos originais em todo o mundo, as vítimas do racismo estrutural e da discriminação de gênero e outros tantos que serão os mais impactados, apesar de serem os que menos contribuíram para o aquecimento do planeta.

A transição para o baixo carbono terá de ser feita com justiça climática. Seria eticamente inaceitável que não fosse. E politicamente impossível, por conta da pressão e das demandas dos mais vulneráveis, centenas e centenas de milhões em um mundo conectado e com uma sociedade civil global em gestação.

A governança global, a precificação do carbono e o financiamento à transição pelos estados precisam avançar muito e rápido. Empresas necessitam aprofundar a agenda ESG, tendo em mente que não é o porto de destino, mas os primeiros passos de uma longa caminhada. E a sociedade civil tem que pressionar, pressionar e pressionar, o que só ocorrerá com muita educação climática e consciência da gravidade da crise.

Quando o desafio aumenta, ultrapassá-lo significa ir mais longe e mais fundo nas transformações necessárias. A história do século XXI começa a se delinear com cenários extremos. De um lado, perdas, sofrimento e riscos civilizacionais, se prevalecerem as resistências econômicas, geopolíticas e a inação no combate à crise climática (e à crise de biodiversidade). De outro lado, um mundo mais justo, humano, coeso e com uma relação diferente com a natureza a que pertencemos.

*Sérgio Besserman é coordenador estratégico do Climate Reality Project Brasil, organização global fundada por Al Gore e representada, no país, pelo Centro Brasil no Clima (CBC)

Fonte: https://valor.globo.com/brasil/esg/coluna/transicao-e-justica-climatica-sao-inseparaveis.ghtml

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