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Guilherme Syrkis e Mateus Donato falam sobre a necessidade de adotar uma política integrada, moderna e adaptativa, que considere os efeitos das mudanças climáticas e crie soluções mais eficazes.

Por Guilherme Syrkis e M-aateus Donato, Para o Prática ESG(*) — Do Rio e de Brasília

07/03/2023

A implementação de políticas sociais modernas e adaptadas ao contexto de mudanças climáticas é cada vez mais urgente no Brasil. Programas sociais como o Bolsa Família são bem-sucedidos em tirar muitas pessoas da miséria, mas não são suficientes para lidar com as consequências das mudanças climáticas, como as fortíssimas chuvas que têm causado desastres e afetado desproporcionalmente as populações mais pobres.

As mudanças climáticas têm causado choques cada vez mais frequentes em comunidades já vulneráveis, que são duramente afetadas a partir da destruição de moradias, inviabilização de determinadas atividades econômicas e consequentes migrações com altos custos sociais. É preciso, para garantir que os mais vulneráveis não sejam deixados para trás, aprimorar os mecanismos de proteção social existentes, desenvolver novos e criar ações claras em prol da justiça climática.

Como elementos que vão no caminho certo, além do hoje fortalecido Bolsa Família, destacam-se a retomada do protagonismo de programas como o Fomento Rural e a distribuição de cisternas como ações que terão papel cada vez mais importante em estratégias de combate à pobreza impactada por mudanças climáticas. Junta-se a isso a recriação do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, importante canal para que a sociedade civil apresente novas demandas ao governo e exija desenhos adequados de respostas.

A centralidade das mudanças climáticas no contexto da pobreza tem finalmente sido observada. Em setembro de 2021, a equipe técnica da Secretaria Nacional de Assistência Social (SNAS) publicou o documento “Diretrizes para Atuação da Política de Assistência Social em contexto de Emergência Socioassistencial”, voltado para a rede do Sistema Único de Assistência Social, integrado pelos órgãos de proteção social de estados e municípios. 

A publicação orienta a respeito das ações a serem tomadas em contexto de emergências e calamidades, com eixos específicos ligados à fundamental atuação de serviços da assistência social e também de garantia de renda, como o Benefício de Prestação Continuada (BPC) quanto o Programa Bolsa Família (PBF), prevendo ações que visam garantir a continuidade do acesso aos benefícios e, em determinados casos, a possibilidade de pagamento antecipado de valores. O documento tem importância histórica ao sistematizar e centralizar a resposta a desastres na atuação da política de assistência social, uma carência histórica, considerando que marcos como o Plano Nacional de Gestão de Riscos e Resposta a Desastres, em 2012, foi elaborado sem a participação de representantes das políticas sociais do governo.

A perspectiva da Proteção Social Adaptativa (ASP, na sigla em inglês) tem sido relevante neste contexto, e precisa estar presente nas discussões de novas políticas pelo governo. O relatório “Adaptive Social Protection : Building Resilience to Shocks”, publicado pelo Banco Mundial em 2020, define quatro eixos de atuação da ASP: a adequação do desenho de programas para atendimento de áreas de risco, o aprimoramento das informações sobre as populações em risco, a garantia de financiamento, e a realização de parcerias. 

No eixo de programas, podemos pensar aprimoramentos do Bolsa Família para o acesso rápido a recursos em contextos de choque, e na inclusão tempestiva de famílias afetadas. Além disso, é importante repensar o modelo de política habitacional do país. Atualmente, muitas pessoas vivem em áreas de risco, sujeitas a deslizamentos e enchentes. Essa situação se agrava com as mudanças climáticas, que tornam esses eventos mais frequentes e intensos. Uma nova abordagem de política habitacional deveria incluir a realocação dessas pessoas para áreas mais seguras e a construção de moradias mais resistentes e adaptadas ao novo cenário climático.

Em relação à informação, o cadastro único deve ser aprimorado de modo a representar adequadamente as rápidas transformações sociais de regiões afetadas por desastres, possibilitando a apresentação de respostas adequadas. Ter acesso a esse dados ajudará também a captar mudanças mais lentas que se impõem em regiões afetadas por mudanças climáticas de forma menos súbita, mas também graves a longo prazo e atualizar informações de forma mais frequente em áreas de risco ou que já estejam sob impacto.

Por fim, em relação ao financiamento e parcerias, deve-se estabelecer uma previsibilidade dos riscos e aprimorar a integração entre as diferentes políticas públicas, para serem possíveis ajustes orçamentários de curto prazo mediante choques sem que signifiquem a abertura de exceções arbitrárias a regras orçamentárias. Devem também ser avaliadas parcerias que podem ser oportunas neste contexto, como a viabilização de serviços financeiros que possibilitem o investimento de pequenos agricultores em adaptações visando a resiliência de suas atividades econômicas, bem como a recuperação em caso de perdas.

exceções arbitrárias a regras orçamentárias. Devem também ser avaliadas parcerias que podem ser oportunas neste contexto, como a viabilização de serviços financeiros que possibilitem o investimento de pequenos agricultores em adaptações visando a resiliência de suas atividades econômicas, bem como a recuperação em caso de perdas.

É importante ressaltar que não basta que o Governo Federal dê dinheiro às famílias em situação de vulnerabilidade. O contexto de choques recorrentes ligados às mudanças climáticas requer intervenções bem desenhadas que garantam um impacto concreto a curto, médio e longo prazos. É preciso adotar uma política integrada, moderna e adaptativa, que considere os efeitos das mudanças climáticas e crie soluções mais eficazes para as populações mais vulneráveis. A justiça climática deve ser um dos pilares do novo Bolsa Família e das políticas de proteção social do Governo Lula.

Sobre os autores

*Guilherme Syrkis é diretor executivo do Centro Brasil no Clima (CBC) e Mateus Donato é sociólogo e analista técnico de políticas sociais. Os dois autores foram bolsistas da Fundação Obama.

Fonte: https://valor.globo.com/brasil/esg/artigo/pobreza-e-mudancas-climaticas-por-que-o-bolsa-familia-nao-e-mais-suficiente.ghtml

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