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Iniciativas de Estados e municípios que fomentam ativos ambientais têm criado um cenário favorável para a atração de investimentos e novas empresas no Brasil. Mas especialistas apontam a necessidade de uma unidade maior entre União, Estados e municípios e também a regulação do mercado de carbono como formas de alavancar a economia verde no país.

Cinco meses após assinar com outros 102 países a meta de redução do gás metano em 30% até 2030 na COP26, o governo lançou um programa de incentivo à produção e ao consumo de biocombustíveis, o Metano Zero. A proposta, que incentiva o biometano e o biogás, já inclui o crédito de metano, que deve entrar na proposta do mercado regulado de carbono.

Em março, o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, disse ao Valor que o governo está criando o mercado regular de carbono e, dentro deste programa, um mercado específico para crédito de metano. “Será uma receita adicional aos projetos de usinas de biogás e biometano”, afirmou. De acordo com o governo, as reduções nas emissões de metano poderão chegar a 36% com o desenvolvimento do programa.

O programa é a primeira ação de grande porte da pasta do Meio Ambiente desde a COP26. Até a conferência, o debate ambiental vinha sendo dominado por Estados e municípios, que buscavam se descolar das posturas do governo Bolsonaro, apostando em negociações sem a participação do Executivo. Um exemplo disso pode ser verificado durante a própria conferência: um grupo de governadores lançou o Consórcio Brasil Verde, do movimento Governadores pelo Clima, em busca de investimentos internacionais para ações ambientais nos estados.

A iniciativa pretende obter recursos com organismos internacionais, sem depender da intermediação do governo federal. Em 2021, por exemplo, o grupo apresentou ao enviado especial de clima norte-americano, John Kerry, um portfólio de nove projetos de reflorestamento, bioeconomia e energias renováveis estimados em US$300 milhões. “Estados e municípios podem ser fortes aliados da União para que consigamos bater as metas estipuladas [em acordos]. Mesmo que acordos assinados pelo Brasil sejam convertidos em lei, por exemplo, ainda necessitam de regulação”, avalia a advogada Roberta Danelon, sócia de direito ambiental do escritório Machado Meyer.

Danelon pontua a necessidade de o Brasil integrar políticas de diferentes esferas para alcançar metas de descarbonização e redução de emissões estabelecidas internacionalmente. “Temos diversas leis criadas no começo dos anos 2000 com políticas de mudanças climáticas que já indicavam a intenção dos estados. Acredito que hoje os estados têm interesse ainda maior em participar dessa discussão”, diz a advogada.

Estados e municípios também buscam se antecipar à possibilidade de regulação do mercado de carbono. O Projeto de Lei sobre o tema, que ainda tramita na Câmara, pode ser colocado em pauta para votação até julho, como noticiou o Prática ESG no mês passado.

O Rio de Janeiro é o Estado que mais tem se adiantado à regulação. Responsável pela produção de 83% do petróleo produzido no Brasil, o Rio ainda depende da arrecadação de royalties de petróleo e gás, que pode chegar a mais de R$ 14 bilhões em 2022, segundo a Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), para girar sua economia. Hoje, haveria um estoque de CO2 de 73 milhões de toneladas, equivalentes a R$ 25 bilhões, segundo o governo estadual.

O Estado mantém cerca de 30% de floresta nativa, além de áreas que foram reflorestadas ao longo do tempo, caso da Floresta da Tijuca, que ocupa 3,9 mil hectares. A preservação florestal pode ser relevante para a geração de créditos de carbono no Estado.

Nos últimos meses, Estado, prefeitura do Rio e o setor privado trabalham com diferentes iniciativas para alavancar um mercado regional de créditos de carbono e de ativos ambientais tanto na capital fluminense como no estado.

As tratativas começam a gerar resultados. Até o fim do mês, a cidade do Rio sediará o primeiro leilão de créditos de carbono de micromobilidade do mundo. Realizado em parceria entre as empresas Tembici, ZCO2 e BlockC, o leilão deve colocar em disputa 1,5 mil créditos de carbono gerados pelas operações da Tembici, empresa que opera o sistema de bicicletas compartilhadas do Itaú.

O leilão é um desdobramento de projeto lançado pela Prefeitura do Rio em 2021, o Bolsa Verde, comandado pelas pastas da Fazenda e Desenvolvimento Econômico. O projeto prevê a criação de um mercado voluntário de carbono na cidade. “O Rio tem um arcabouço regulatório que já conversa com esse tema e isso potencializa que a cidade fomente esse ecossistema. Queremos estar na discussão para a economia verde no Brasil, na América Latina e em nível global”, afirma o ex-secretário de Desenvolvimento Econômico e Inovação da cidade Chicão Bulhões, que deixou o cargo recentemente, mas participou da elaboração do projeto.

Ao longo da elaboração do projeto, a prefeitura se reuniu com representantes da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Banco Central e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que demonstraram interesse nas propostas.

O município pretende reduzir a alíquota de ISS de 5% para 2% para plataformas de transação de créditos de carbono e atividades que certifiquem e registrem projetos de crédito. A mudança depende de aprovação no Legislativo e teria caráter temporário, vigorando até 2030.

As condições favoráveis na cidade, com forte presença de empresas do setor de óleo e gás, fizeram com que a AirCarbon Exchange, um marketplace de créditos de carbono com sede operacional em Cingapura, decidisse se instalar no Rio. A operação brasileira da AirCarbon, que começou a funcionar na cidade recentemente, mantém parceria com a BlockC, que trabalha com gestão de gases do efeito estufa para o mercado B2B. “Resolvemos nos instalar na cidade porque o Rio concentra setores hard-to-abate, que têm mais dificuldade de abatimento de gases de efeito estufa”, afirma Carlos Martins, diretor da BlockC e da AirCarbon Brasil.

No mês passado, o governo do Estado anunciou que o Rio teria uma bolsa de ativos ambientais em parceria com a bolsa de tecnologia norte-americana Nasdaq, já no segundo semestre. Logo após, a Nasdaq esclareceu que o acordo é um protocolo de intenções de estudo para a possível criação da bolsa no Estado.

Para a gerente de finanças sustentáveis da consultoria WayCarbon, Laura Albuquerque, o desenvolvimento do mercado de carbono ainda depende da regulação. “O mercado de carbono só fica de pé se entendermos qual a meta que o país quer estabelecer para os setores que devem estar dentro do mercado. O Brasil pode estabelecer um mercado inicial em São Paulo, depois expandir para o Rio de Janeiro e outros estados, mas depende da ambição, do que se almeja com esse mercado”, afirma.