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Eventos extremos e violência deslocam milhões de pessoas no mundo em 2022


A complexidade do sistema climático envolve diversos fatores que o afetam. Eventos extremos, como chuvas intensas, ocorrem naturalmente. Entretanto, a preocupação reside na frequência desses eventos, aumentada pelo aquecimento global e suas consequências. Essa situação é especialmente preocupante em países com chuvas torrenciais de verão, como o nosso.

O aumento dos deslocamentos internos no Brasil e no mundo está diretamente relacionado à intensificação dos eventos climáticos extremos e aos conflitos políticos, humanitários e pobreza. Em 2022, “o Brasil liderou o índice de deslocamentos internos no contexto das Américas, com 713,6 mil pessoas forçadas a abandonar suas residências, principalmente devido a eventos climáticos extremos, como fortes precipitações pluviais e enchentes exacerbadas pelo fenômeno La Niña. Globalmente, 60,9 milhões de pessoas enfrentaram deslocamento interno, um aumento de 60% em relação ao ano anterior e o maior valor desde o início das medições, segundo relatório anual elaborado pelo Centro de Monitoramento de Deslocamento Interno” e divulgado pela Folha de São Paulo. *

No contexto das Américas, após o Brasil, estão os Estados Unidos (675 mil deslocados internos), Colômbia (620 mil), Haiti (121 mil) e Cuba (90 mil). No panorama mundial, a maior parte dos deslocamentos é atribuída a desastres ambientais ou geológicos, que representaram 32,6 milhões de deslocamentos em 2022. Conflitos e violência foram responsáveis por outros 28,3 milhões de deslocamentos, com ênfase na Guerra da Ucrânia e na República Democrática do Congo. (conforme dados da matéria do Jornal Folha de São Paulo em 11/05/2023).

Diante deste cenário, importante ressaltar que a adaptação climática surge como uma estratégia fundamental para enfrentar as mudanças climáticas e reduzir a vulnerabilidade e a exposição das populações aos eventos extremos. No Brasil, a elaboração de planos de adaptação climática requer a cooperação entre o governo federal, estados e municípios, considerando fatores como intensidade dos impactos, riscos e incertezas, conhecimento técnico-científico e as alternativas de adaptação disponíveis. Cada região deve elaborar seus próprios planos de adaptação, levando em conta suas especificidades geográficas e socioeconômicas.

O Acordo de Paris enfatiza a adaptação como uma estratégia chave para enfrentar a mudança do clima, buscando elevar a resiliência e diminuir a vulnerabilidade dos países. O Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima, lançado pelo Governo Federal em 2015, visa orientar iniciativas para a gestão e redução do risco climático no longo prazo. Entretanto, o Plano que não avançou nos últimos anos, deverá aprimorar novos dados, mobilizar diversos segmentos da sociedade e ter uma abordagem ampla e sistêmica. A articulação entre estados e municípios ainda enfrenta fragilidades e insuficiências, falta de recursos e orçamento, especialmente considerando que diversos estados e municípios brasileiros apresentam vulnerabilidades aos desastres naturais e interrupções na gestão a cada quatro anos.

Portanto, a elaboração de planos de adaptação climática no Brasil é um desafio, dada a combinação de alta vulnerabilidade, alto nível de incerteza em relação aos impactos das mudanças climáticas e baixos investimentos. Uma das formas de minimizar essa incerteza é aprimorar o conhecimento técnico-científico sobre o problema, desenvolvendo planos de adaptação com uma visão sistêmica e baseados nas informações disponíveis e outras a serem levantadas, identificando vulnerabilidades e propondo medidas gerais de adaptação.

As medidas de adaptação no Brasil incluem o fortalecimento institucional, planejamento, indicadores, execução de obras físicas e trabalho junto às comunidades, com o objetivo de aumentar a resiliência aos choques climáticos e promover o crescimento econômico e a melhoria das infraestruturas e serviços, garantindo o bem-estar das gerações futuras. Uma abordagem promissora é a Adaptação Baseada em Ecossistemas (AbE), que considera o potencial dos ecossistemas para a adaptação aos impactos climáticos.

Para ser eficaz, um Plano de Adaptação Climática no Brasil deve almejar eliminar os principais riscos futuros, ser economicamente justificável, combater a pobreza e resguardar, revitalizar e expandir os ecossistemas naturais. O fortalecimento de uma governança climática robusta e integrada entre os diferentes níveis governamentais e setores da sociedade é crucial para fazer frente aos desafios impostos pelas alterações climáticas. A adoção de abordagens inovadoras, como a Adaptação Baseada em Ecossistemas, deve ser incentivada com o propósito de aperfeiçoar a capacidade de lidar com as mudanças climáticas e prevenir deslocamentos internos futuros.

A perspectiva para 2023, lamentavelmente, não se apresenta promissora, com um crescimento contínuo no número de indivíduos compelidos a abandonar suas moradias em escala global. A avaliação de especialistas enfatiza a relevância de políticas públicas e iniciativas multilaterais no intuito de atenuar os efeitos das alterações climáticas e solucionar disputas, objetivando a diminuição do impacto dos deslocamentos internos em âmbito mundial. Desse modo, é imperativo que os governos e a comunidade internacional conjuguem esforços no sentido de tratar das causas subjacentes aos deslocamentos internos e implementar táticas eficazes de adaptação climática.

Em conclusão, o incremento dos deslocamentos internos no Brasil e no mundo configura um desafio emergente que demanda ações coordenadas e eficientes para enfrentar as mudanças climáticas e resolver conflitos. A adaptação climática é uma estratégia primordial nesse contexto, e a adoção de abordagens inovadoras, como a Adaptação Baseada em Ecossistemas, é essencial para ampliar a resiliência e salvaguardar as populações mais vulneráveis, minimizando os impactos negativos e os deslocamentos regionais.

Olga Martins Wehb

Consultora Sênior do CBC.