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A recuperação econômica pós-pandemia poderá ser descarbonária? A pergunta é incontornável, diante da proliferação de fortes posicionamentos com tal propósito, partindo de organizações da sociedade civil, muitos empresários de peso, alguns políticos e até do Banco de Compensações Internacionais (BIS), no livro Cisne Verde. Sempre exortações a um “Green New Deal”.

O slogan foi lançado há mais de treze anos pelo célebre jornalista Thomas L. Friedman (New York Times,19/1/2007), em favor da troca de energias fósseis por renováveis, simultânea à restauração e conservação de ecossistemas tragadores de carbono. Só factível, disse ele, com um conjunto de programas similar ao da revitalização do país, na terrível década de 1930.

Imediatamente captada pela ONU-Ambiente (à época, o Pnuma), a ideia logo virou chamado a um “Global” Green New Deal, em relatório de março de 2009 e livro pela Cambridge University Press, em 2010. Propondo acordo no G20, instância de governança global mais indicada para assumir tal iniciativa.

Houve até motivo para certo otimismo, em 2009, com as cúpulas do G20 presididas por Gordon Brown, em abril, e Obama, em setembro. Mas tal expectativa logo foi anulada por coalizão marrom entre China, Rússia, Arábia Saudita, Turquia, Indonésia e Argentina. Nas demais onze cúpulas, realizadas até 2019, o G20 se mostrou inapto para levar à prática até mesmo a abolição dos subsídios a energias fósseis ou propostas de precificação do carbono (taxações e mercados “cap-and-trade”) feitas pelo Banco Mundial e pelo FMI.

Pior: a ascensão autocrática de Xi Jinping – com decorrente anúncio, em 2015, da ambição de supremacia chinesa, especialmente em tecnologias de vanguarda – criou as condições objetivas à conjuntura mundial de “nova” ou “segunda” Guerra Fria, agravada por Donald Trump, a partir de 2017.

Em tais circunstâncias, não se pode esperar do G20 qualquer papel relevante na recuperação econômica pós-pandemia, venha a ser marrom, cinzenta, ou algo esverdeada. Serão nacionais, ou europeia, possíveis iniciativas de Green New Deal. Nos Estados Unidos, por exemplo, em caso de vitória de Joe Biden, em novembro. Ou na União Europeia, se vencidas as fortes resistências à taxação das emissões de carbono, escancaradas na maratona de 18 a 21 de julho, geradora de inédita injeção trilionária na economia regional.

Nos Estados Unidos, a bandeira do Green New Deal foi reerguida, em 2018, pelo interessante movimento social “Sunrise”, transformando-se, em fevereiro de 2019, em detalhada proposta legislativa da jovem deputada federal Alexandria Ocasio-Cortez (D-NY) e do senador Ed Markey (D-MA). No Reino Unido – onde, desde 2007, a tocha havia sido mantida acesa por uma coalizão de instituições de pesquisa e celebridades, como recapitula a economista Ann Pettifor no livro “A Case for the Green New Deal” (Verso, 2019) – a pandemia a trouxe ao primeiro plano.

Ótima evidência está no recém-lançado relatório da New Economics Foundation, intitulado “Building a Green Stimulus for Covid-19; A Recovery Plan for a Greener, Fairer Future”. Na mesma linha, a União Europeia já adotara, no fim de maio, seu pacote para uma retomada verde.

É dificílimo saber, contudo, se tantos e tão auspiciosos sinais retóricos autorizam aposta em “nova era econômica orientada ao meio ambiente e ao combate ao aquecimento global”, como disse, neste espaço do Valor, o presidente do Conselho da Suzano, David Feffer (“Chance verde”, 24/7/20).

Alguma luz surgiu em trabalho de cinco notáveis economistas – entre os quais Joseph Stiglitz e Nicholas Stern – a ser publicado na Oxford Review of Economic Policy, com respostas à seguinte pergunta: “pacotes de recuperação pós-Covid-19 aceleram ou retardam progressos em mudança climática”? Levantamento junto a 231 especialistas de bancos centrais e ministérios das finanças, sobre 25 grandes arquétipos de retomada, identificou cinco políticas de investimentos de alto potencial, simultaneamente econômico e climático: em infraestrutura física limpa; em construção civil com eficiente retromontagem; em educação e treinamento para reduzir o desemprego provocado pela pandemia e o desemprego estrutural da descarbonização; em capital natural para resiliência e regeneração ecossistêmica; e em pesquisa científica e tecnológica direcionada à transição energética das fósseis às renováveis.

Todavia, recuperação econômica sustentável não virá de medidas fiscais de curto prazo. Só reformas de cinco a dez anos de duração poderão favorecer arranjos econômicos de baixo carbono no pós-pandemia. Este é o reparo e alerta do maior especialista em Global Green New Deal, o professor da universidade estadual do Colorado (EUA) Edward B. Barbier. Se levarem a sério seu artigo “Greening the Post-pandemic Recovery in the G20” (Environmental and Resource Economics de 15/06/20), poderá haver esperança de restauração da parceria descarbonária EUA-UE do segundo mandato Obama.

*Artigo publicado no Valor Econômico. 

https://valor.globo.com/opiniao/coluna/chance-verde-1.ghtml