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Um processo só é sustentável quando está plenamente integrado aos ciclos da natureza. É fácil de entender, mas difícil de praticar. A nova lei federal 14.026/20, que visa universalizar os serviços de água e saneamento, observou aspectos econômicos e sociais, mas esqueceu as conexões ambientais. Nada destacou sobre a importância de proteger e recuperar as nascentes e os ciclos hidrológicos, que garantem o abastecimento de água para pessoas, animais e empresas.

A única referência ambiental na nova lei é um curto parágrafo, orientando superficialmente que: “Os planos de saneamento básico deverão ser compatíveis com os planos das bacias hidrográficas…” É pouco, mas indica um caminho para aprimoramentos na regulamentação estadual, a cargo das Assembleias Legislativas.

Diante dessa grave lacuna, as leis complementares estaduais são as últimas oportunidades de reconectar a nova economia da água, que prevê amplas privatizações dos serviços, com o mundo natural, de imenso interesse público.

Uma regulamentação desconectada do meio ambiente, que é a efetiva fábrica de água limpa, pode criar conflitos e colapsos no futuro. Por outro lado, uma regulamentação fortemente conectada com as fontes naturais vai garantir maior segurança hídrica, econômica, social e jurídica.  

Para fortalecer o compromisso com a sustentabilidade hídrica é fundamental integrar metas de reflorestamentos, conservação de nascentes e regeneração das bacias hidrográficas nos planos regionais (integrando municípios) – que vão orientar os blocos de licitação de serviços de água e esgoto da nova lei nacional. Investidores que vão aplicar bilhões nos sistemas de oferta de água e tratamento de esgoto precisam investir também nas fontes naturais de água.

Para os empreendedores do setor de água, ter bacias hidrográficas e nascentes protegidas é garantir o fortalecimento dos seus negócios. Esse processo integrado é também uma forma didática de mostrar que o cumprimento das metas do Brasil no Acordo de Paris, com a recomposição de florestas, fortalece a economia, a sustentabilidade hídrica e a geração descentralizada de empregos.

Além de garantir segurança hídrica, a proteção e a regeneração florestal trazem inúmeros benefícios, sobretudo no nosso seco semiárido: conservação da biodiversidade, diminuição de impactos climáticos, redução de custos com água mais limpa, captura de carbono, geração de renda no interior e uma nova cultura empresarial sustentável.

Esta é uma forma consistente de integrar a economia vigente aos ciclos de água e carbono, colocando em prática o conceito de Economia Circular que considero mais profundo: conectar processos socioeconômicos aos ciclos biogeoquímicos naturais. Florestas produzindo águas e capturando carbono, avançando no rumo da emergente economia do (des)carbono, como destaca nosso inesquecível amigo Alfredo Sirkis (1950-2020), no seu último livro: Descarbonário. 

Por tudo isso, a Assembleia Legislativa de Pernambuco pode tornar nosso estado uma referência nacional, agregando ao Projeto de Lei que será votado esta semana, compromissos para regeneração dos ciclos de água e carbono, vinculados a cada uma das microrregiões estabelecidas no novo marco legal do saneamento.

*Artigo publicado no jornal Diário de Pernambuco