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*Olga Martins Wehb

A importância de intensificar os investimentos em financiamento climático para mitigação e adaptação tem sido amplamente discutida no cenário global. O último dia 20 (vinte) de março foi marcado pelo lançamento do Sexto Relatório de Avaliação (AR6) do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), que destacou os danos e consequências do aumento das emissões de gases de efeito estufa (GEE).

O IPCC ressalta que o financiamento atual, tanto público quanto privado, destinado aos combustíveis fósseis é substancialmente maior do que os recursos voltados para a mitigação e adaptação. Apesar do aumento superior a 60% no financiamento climático público e privado desde o Quinto Relatório de Avaliação do IPCC, é preciso um esforço muito maior para atingir as metas climáticas globais. Para alcançar somente as metas de mitigação, é necessário aumentar o financiamento entre três e seis vezes até 2030.

A lacuna é ainda mais acentuada nos países em desenvolvimento, especialmente naqueles que enfrentam dívidas, baixas classificações de crédito e despesas relacionadas à pandemia da Covid-19. Para limitar o aquecimento global a 2°C, os investimentos em mitigação precisam aumentar pelo menos seis vezes no sul da Ásia e nos países em desenvolvimento do Pacífico, cinco vezes na África e 14 vezes no Oriente Médio até 2030. Entre os setores, a maior lacuna está na agricultura, florestas e outros usos da terra, onde os fluxos de financiamento recentes são de 10 a 31 vezes menores do que o necessário para cumprir as metas do Acordo de Paris.

O financiamento para adaptação e perdas e danos também deve ser substancialmente ampliado. Os países em desenvolvimento necessitam de US$ 127 bilhões por ano até 2030 e US$ 295 bilhões por ano até 2050. Embora o último relatório do IPCC não avalie as necessidades de financiamento dos países para evitar, minimizar e solucionar perdas e danos, estimativas recentes indicam que a demanda por esses recursos será expressiva e urgente nas próximas décadas.

O ecossistema de financiamentos climáticos é composto por uma ampla diversidade de atores, arranjos institucionais, práticas operacionais e mecanismos financeiros, tornando a sua abordagem complexa. Cada mecanismo financeiro foca em diferentes tipos de projetos e abrange diversos setores, requerendo o estabelecimento de diretrizes e procedimentos relacionados à transparência, comunicação, governança e gestão de riscos, bem como indicadores dos projetos e dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.

As mudanças climáticas têm gerado a reflexão de que é necessário mudar, criando padrões para um desenvolvimento mais sustentável com baixas emissões de GEE. No entanto, estamos em um momento de transição, no qual ao mesmo tempo em que ocorre a pressão para se alcançar o objetivo de manter o aumento médio global da temperatura abaixo dos 2°C, existe um alerta de que os modelos colaborativos devem ser estabelecidos para que a curva de aprendizado seja acelerada. Neste sentido, o conhecimento compartilhado de diferentes áreas fará a diferença para estabelecer um compasso que gere ações efetivas.
No caso do uso dos financiamentos climáticos, encontra-se um paradigma na gestão de riscos. O alerta refere-se à necessidade de direcionar os recursos financeiros a projetos inovadores, sendo no sentido mais amplo da inovação, isto é, desde mudanças pequenas até as disruptivas. Na ótica tradicional de análise de crédito, são projetos que podem apresentar maior risco. Muitas vezes são projetos com prazos de financiamento médio ou longo, que envolvem novas tecnologias, ainda não totalmente comprovadas, ou projetos que envolvem mudanças de processos para atingir resultados com impactos sociais e ambientais positivos e com menor emissão de GEE. Essa tipologia de projetos pode apresentar características de um financiamento de alto risco, com grandes chances de ter o acesso ao crédito declinado conforme os critérios de análise de cada entidade implementadora.

Dessa forma, se faz necessária a construção de mecanismos complementares que apoiem a viabilidade financeira dos projetos, como mecanismos de garantia, de compartilhamento de riscos, capital semente (estratégia importante para empresas), financiamento misto (blended finance), além de apoio a determinados estudos e a capacitação dos atores envolvidos.

Existem lacunas que estão sendo discutidas na esfera global para se aplicar os recursos de financiamento, exigindo esforços coletivos, como o caso da integração dos riscos climáticos aos riscos de créditos tradicionais, que precisam ser acelerados, lembrando da necessidade de aceleração do ritmo de redução de GEE. As instituições financeiras de todo o mundo também estão se adaptando a um novo contexto, onde há a necessidade de construção de ferramentas dentro das instituições que permitam trabalhar com agilidade, escalabilidade, acuracidade, e que exigem novos investimentos como a construção de big datas e outros recursos, aliando as análises econômicas tradicionais às análises ambientais, sociais e de governança. É importante o estabelecimento de novos modelos de análises, complementando dados históricos com análises preditivas, que possam dar subsídios às tomadas de decisões.

Um esforço colaborativo global é necessário e urgente para priorizar as iniciativas mais promissoras. Entretanto, ainda persiste a necessidade de que cada país desenhe suas estratégias climáticas conforme as suas especificidades implementando Planos de Ação Climáticos locais e regionais. Neste sentido é fundamental que aprimore sua governança e apoie essas iniciativas transformadoras através de políticas públicas e incentivos à educação, à pesquisa, à inovação e ao uso do capital humano. Só assim será possível redirecionar os recursos financeiros no sentido de acelerar a transição dos atuais modelos de negócios a uma economia preferencialmente neutra em carbono até 2050, conforme estabelecido pelo Acordo de Paris.
Em resumo, é fundamental aumentar significativamente o financiamento climático para a mitigação e adaptação nesta década, em especial nos países em desenvolvimento. As lacunas existentes nos setores e a gestão de riscos devem ser abordadas por meio de mecanismos financeiros complementares e inovadores. A cooperação global e o compartilhamento de conhecimento são essenciais para alcançar esses objetivos, assim como a adoção de políticas públicas, efetiva governança climática e transparente e incentivos que estimulem a pesquisa, a inovação e o desenvolvimento sustentável em cada país. Todos estão envolvidos nesse processo!

Fontes:

Estudos e Financiamento Climático no Brasil: https://wedocs.unep.org/bitstream/handle/20.500.11822/36067/PPFCB.pdf

10 Conclusões Relatório do IPCC sobre mudanças Climáticas 2023: https://www.wribrasil.org.br/noticias/10-conclusoes-do-relatorio-do-ipcc-sobre-mudancas-climaticas-de-2023

*Olga Martins Wehb é consultora sênior do Centro Brasil no Clima – CBC