Resumo –
- Nos EUA, o governo Trump estabeleceu que empresas estarão amplamente isentas de consequências por poluir o ar ou a água.
- Para evitar o caos social, os governos terão que realizar intervenções fiscais e monetárias para reaquecer a economia.
- Oportunidade de um Green New Deal brasileiro.
- De outra forma, dificilmente a pauta climática não será vista como secundária aos olhos, ainda que míopes no longo prazo, dos gestores e da sociedade.
Talvez seja interpretado como indelicadeza debater projeções para um mundo pós-pandêmico, enquanto toda a sociedade está tensa. Não há quem não esteja preocupado com sua saúde e a de seus entes queridos, bem como com a preservação de suas ocupações profissionais e renda. Contudo, para que a retomada civilizatória venha a ser alicerceada em bases sustentáveis, no mais amplo sentido do termo, a discussão imediata é inevitável.
Já há movimentações para se estimular atividades predatórias sob a ótica ambiental. As atenções da mídia e da sociedade estão voltadas por completo para a expansão da pandemia e suas consequências. Ainda que plenamente compreensível, tal contexto abre brechas para que se avance políticas que, em tempos usuais, gerariam protestos contrários por parte da sociedade civil, como a retirada de direitos e ataques à preservação ambiental.
Nos EUA, o governo Trump introduziu nesta semana novas diretrizes para a Agência de Proteção Ambiental (EPA, na sigla em inglês): as empresas estarão amplamente isentas de consequências por poluir o ar ou a água. Nem o mais ingênuo imagina que às restrições retornarão cedo, considerando o histórico do presidente americano quanto a questões ambientais e que os impactos da crise econômica que se inicia perdurarão por alguns anos, no mínimo.
Por hora, os presidentes das casas legislativas federais se negam a colocar projetos de lei polêmicos em relação ao meio ambiente em votação, mas isso pode mudar repentinamente. A inevitável crise econômica derivada do surto exigirá até mesmo das mais neoclássicas equipes econômicas medidas keynesianas: intervenções fiscais e monetárias por parte do Estado para reaquecer a economia, evitando o caos social.
Já altíssimos, a nova crise está direcionando ainda mais subsídios para indústrias poluentes, como companhias aéreas e a de petróleo e gás. Isso é feito sem que se exija aos beneficiários qualquer contrapartida que mitigue suas emissões, aprofundando ainda mais a dependência da economia a uma produção danosa no longo prazo, se consideradas as externalidades e prejuízos causados pela mudança do clima.
Ainda que viabilizada por uma catástrofe sanitária, essa pode ser a oportunidade tão aguardada para se evitar os piores cenários previstos como consequência da emergência climática, que gerará longos e constantes ciclos de recessão e depressão, além de outros impactos socioeconômicos. Há alguns anos, economistas ambientais apontam como saída para a crise climática um possível Green New Deal: amplo programa de investimento em obras públicas que geraria empregos, renda e crescimento econômico, ao mesmo tempo que modificaria toda a infraestrutura para mitigar emissões poluentes.
Se a nível global o exemplo mais evidente seria grande dispêndio em novas plantas de energia renovável e programas de eficiência energética, uma iniciativa brasileira nesse sentido, além de abarcar os aspectos energéticos, teria como carro chefe o direcionamento maciço de recursos para o acesso universal à água e coleta de esgoto. Associadas a pauta climática, estariam ações de replantio e criação de parques nacionais, semelhante ao New Deal original implementado por Roosevelt para superar o crash de 1929. Há ainda a possibilidade de se fomentar uma indústria verde cujos insumos seriam a rica biodiversidade brasileira, desde que essa seja explorada de forma sustentável.
Cabe ainda no caso brasileiro, especialmente no nível subnacional, adaptação de toda a infraestrutura para uma maior resiliência às intempéries climáticas. Obras desse perfil iriam prevenir gastos na casa do trilhão somando os prejuízos ao longo de décadas, além de aplicar um efeito multiplicador positivo na economia devido aos postos de trabalho criados.
Para que tal iniciativa seja viável, se faz urgente apontar e divulgar esse caminho, antes que o lobby das indústrias poluentes domine a discussão sobre as alternativas para a retomada. Nesse sentido, o Centro Brasil no Clima, grande articulador da pauta climática no Brasil entre os diversos setores envolvidos, pode mais uma vez ser protagonista e desenvolver um projeto, em parceria com especialistas acadêmicos, que construa cenários e alternativas para um Green New Deal tupiniquim, bem como difundir a racionalidade dessa rota para a mídia e os setores público e privado.
De outra forma, dificilmente a pauta climática não será vista como secundária aos olhos, ainda que míopes no longo prazo, dos gestores e da sociedade. Todas as atenções, ações e recursos estarão voltados para programas que tenham como objetivo resultados imediatos sobre a saúde pública e a preservação de empregos, perdendo de vista que postergar ações climáticas hoje trará uma crise muito maior amanhã.