Ainda que de uma forma perversa a recessão da pandemia reduzirá as emissões de gases-estufa no planeta entre 6% e 7%, embora as emissões do Brasil periguem aumentar em função do desmatamento crescente.
A recessão é um caminho ruim de reduzir emissões, A não ser que haja uma mudança de tecnologias e padrões elas voltarão a subir em flecha uma vez o crescimento retomado. O Green New Deal discutido na Europa é justamente a ideia de uma futura retomada em padrões mais limpos.
A “solução” não virá do sistema ONU nem do voluntarismo de governos por mais que seja desejável. Vou mais longe: não viria ainda que tivessem uma vontade política que não têm.
Vejam: a tecnologia para um mundo carbono neutro já existe! Em meados dos século, o transporte a combustível fóssil será coisa do passado. O maravilhoso petróleo do Pré Sal, daqui a menos de 20 anos, vai ter que competir desesperadamente por um mercado minguante com poços de países com custos menores de extração onde o petróleo praticamente aflora no deserto. Mais de 60% do petróleo atualmente em condições de ser explorado vai virar stranded assets (recursos “extraviados” ou interditos).
A indústria já sabe disso mas o poder do engano e do autoengano é imenso. E a industria automotriz pensa manter mercados fósseis residuais. O Brasil parece ser um deles, pelo menos nos planos da Anfavea… Esse é um problema econômico e social futuro muito sério e terá que haver uma definição sobre um valor econômico a ser atribuído aos stranded assets, o petróleo não extraído para evitar emissões. Um problema de precificacão positiva.
Para absorver carbono numa escala compatível com 1.5 grau a humanidade também terá de reflorestar uma superfície do tamanho do território dos EUA. O Brasil, com pelo menos 60 milhões de km2 de pasto degradado, tem algo a dizer a respeito.
De onde virão dos três a cinco trilhões de dólares, por ano, para financiar a descarbonização, inclusive para compensar os “perdedores” vinculados à economia fóssil, cujo poder, como vimos na França, em 2018, com os “coletes amarelos”, ou, mais recentemente, no Equador e no Irã, há que ser levado em consideração. Além de financiar a transição propriamente dita – solar, eólica, veículos elétricos, mega reflorestamentos, novas tecnologias industriais e de construção – será preciso compensar a legião de perdedores.
E temos ainda a conta da adaptação. O número que tenho ouvido são seis tri por ano…
Porque esses três a cinco trilhões – cem bilhões além do mais é ridículo! É peanuts – podem ser encontrados num sistema financeiro privado global que movimento uns 220 tri que não convergem para a economia produtiva “real”. Há muitos trilhões de fundos de pensões, fundos soberanos e bancos de investimento que poderiam convergir para financiar a descarbonização com garantias oferecidas por um grupo de governos e bancos centrais confiáveis. Mas isso é uma pequena parte apenas. O essencial está na revolução do próprio sistema de valores da economia, ou seja no reconhecimento de um novo valor, um novo padrão: o do menos-carbono.
Para fazer frente à catástrofe climática anunciada é necessária uma revolução. Isso mesmo, uma re-vo-lu-ção. Não dessas de fuzilar gente, de heróis, de mártires e de ditadores mas uma revolução cultural-financeira, central, no critério de valor econômico. A emergência de um novo valor, conversível, em bens, serviços e tecnologia descarbonizaste.
Se quiserem, pode ser uma nova moeda, o menos-carbono. O novo ouro!
O novo ouro?
Em 2015, o Brasil conseguiu introduzir no preâmbulo do Acordo de Paris o Parágrafo 108, por força de barrocas articulações de quem lhes escreve e do diplomata Everton Lucero. É formulado num barroco jargão diplomático que diz: “Reconhece o valor social, econômico e ambiental das ações de mitigação voluntárias e seus cobenefícios para a adaptação, a saúde e o desenvolvimento sustentável;”
O “x” da questão está no reconhecimento do valor (…) econômico (…) das ações de mitigação voluntárias, quer dizer do menos-carbono. A expressão “voluntárias” ficou propositadamente ambígua, podem ser ações para além da NDC. Mas as NDC são elas próprias compromisso voluntário. Pessoalmente penso que seria mais apropriado e compatível com a coexistência de um mercado de carbono elas serem “over the cap”, acima das NDC na direção na neutralidade de carbono. De qualquer forma ficou estabelecido que reduzir emissões ou retirar carbono da atmosfera passava a ter, desde Paris, valor econômico, intrínseco.
É um tipo de valor diferente do proveniente dos “créditos de carbono” nos quais de compra uma redução de emissões de outrem para atender à meta, que não se logrou. Isso é algo que, novamente, não foi regulamentado, em Madrid, dado o impasse nas negociações do Artigo 6º.
Pessoalmente, não acredito que o MDS, sucedâneo do MDL, num tempo em que todos os países têm suas NDCs, possa mobilizar recursos muito significativos. Embora possa ser útil under the cap.
A revolução, porém, é a precificação positiva do carbono. Uma revolução na economia econômica mundial, uma Bretton Woods do clima que literalmente fará do menos-carbono o novo ouro.
Não uso uma metáfora descabida, nem delirante, pois se trata, para a humanidade, de um momento análogo ao que ocorreu há milênios quando da “invenção” do ouro como um valor quando de sua introdução com uma abstração de troca, baseada na confiança, e aplicada a qualquer bem transformado em mercadoria, numa economia até então dominada pelo escambo.
Já discutimos diversas maneiras de potencializar essa “precificação positiva” do menos-carbono. É o oposto simétrico daquela precificação de carbono da qual se fala, discute, estuda e, eventualmente, tenta aplicar, corriqueiramente. Essa é a precificação real, ou “negativa” do carbono que vem obtendo um sucesso ate agora limitado.
Serve para taxar o carbono, servir de referencia para seus mercados e de “shadow price” (um preço “sombra”, simulado) para as empresas se prepararem para essa quando essa precificação “negativa” venha a ter força de Lei, taxado as óbvias externalidades negativas as emissões e suas consequências deletérias de efeito local.
Ambas formas de precificação do carbono valem. Não são contraditórias, partem da mesma consideração: apenas uma é o “porrete” e a outra a “cenoura”. São ambas necessárias mas os luminares do pensamento econômico climático preferem ignorar a “cenoura” por conta e risco dos governantes e dirigentes aos suas assessoram e cujas agruras depois assistem nas ruas.
A Iniciativa 108
A precificação positiva, como vimos, foi instaurada no Parágrafo 108 da Devisão de Paris (o preâmbulo do Acordo) por proposta do Brasil numa articulação feita por mim e pelo Everton Lucero. O princípio está lá: o reconhecimento por 196 governos do valor social, econômico e ambiental das ações de mitigação. Mas sua instrumentalização não avançou.
Não conseguimos – ainda espero – sensibilizar governos, bancos centrais, bancos de desenvolvimento. O Banco Central Europeu, na sua fase de quatitative easing imprimiu liquidês a rodo para comprar todo tipo de papeis mandrakes mas, obtusamente, não pensou em lastrear certificados de redução/sequestro de emissões, em instituir uma moeda do clima para ações de descarbonização. Ignorou as chances de precificacão positiva do carbono que poderiam ter dinamizado mais a economia e gerado muito mais empregos.
Os grão-economistas climáticos acharam a ideia “interessante” mas como não foram contratados para desenvolve-la preferem ficar brincando com a ilusão do Banco Mundial de que a precificação real do carbono para efeito de taxação, mercado ou shadow pricing avança avassaladoramente no planeta, nos seus power points, a passadas largas. Isso simplesmente não está acontecendo no mundo real, pelo menos num ritmo capaz de fazer frente a crise climática e prevenir a catástrofe.
Poucos no establishment parecem perceber o potencial revolucionário disso e aqueles que percebem, por diversas razões, temem botar a cara a tapa, Nossa Iniciativa 108, com pensadores como os professores Jean Charles Hourcade, Micheal Aglietta, Dipak Dasgupta, Seyni Nafo e outros decidiu, pelo momento, se fixar num mecanismos de precificação positiva, mais imediato e menos ousado que é um Fundo Garantidor para projetos descarbonizantes. O establishment vem reagindo melhor a isso que denomina de blended finance.
Em 2020 dá vontade de chutar o pau da barraca. De começar a imaginar que a precificação positiva poderá se desencadear totalmente fora das esferas oficiais e que a descarbonização será alavancada por uma moeda lastreada no menos-carbono. Nesse caso dependerá mais de Greta, Madonas, especialista em block chain, hackers e de um gigantesco movimento de revolução cultural nas ruas e na internet.
Já existe um montão de criptomoetas. A mais famosa, totalmente artificial – e daninha ambientalmente – o Bitcom, continua apesar de Bancos Centrais terem prognosticado sua morte tantas vezes. Depende de uma “mineração” informática de block chain, complicadíssima e que acarreta imenso gasto de energia, sobre tudo na China onde ela vem principalmente do carvão.
A moeda do clima seria bem mais fácil.
Uma criptomoeda (com vocação de moeda) lastreada simplesmente no menos-cabono para o qual já abundam mecanismos técnicos de certificação, no próprio sistema da ONU, herddos do MDL(CDM em inglês) o antigo mecanismo de desenvolvimento limpo, é uma arma cujo potencial não pode mais ser desprezado.
Futuramente, poderá inclusive, servir para rever o papel geopolítico desproporcional, absurdo do dólar. Lord Keynes tentara evita-lo, inutilmente, em Bretton Woods, em 1944, ao propor o Bancor, uma moeda internacional lastreado pelo ouro. A ideia foi fulminada pelos americanos. Um moeda internacional lastrada no menos carbono poderia talvez realizar seu sonho.
O mundo só tem a perder sua impotência diante da mudança climática. Hackers, pop-stars e formadores de opinião de todo o mundo uni-vos: viva a criptomoeda do menos-carbono!
http://alfredosirkis.blogspot.com/2020/06/falta-um-bretton-woods-da.html