A mudança climática assume uma urgência cada dia mais dramática. Além daquilo que vemos todos os dias, estudos científicos alarmantes se sucedem apontando para cenários piores do que os previamente considerados. O prazo está se esgotando para a humanidade manter o aquecimento global abaixo do limite considerado minimamente seguro de 2 graus. Impõe-se uma forte redução das emissões mundiais de gases de efeito estufa (GEE).
Dois fatores podem nos ajudar nesse sentido. O primeiro é que tecnologias limpas se tornaram disponíveis a baixo custo e em grande escala. Não apenas parques eólicos e painéis solares, como também baterias, veículos elétricos, biocombustíveis, florestas plantadas e agricultura de baixo carbono. Mas a transição vai precisar de vultosos investimentos: mais de um trilhão de dólares por ano na próxima década nos países em desenvolvimento, onde se encontram as melhores oportunidades. Parece uma quantia enorme, mas é só 5% do PIB da Europa, que há pouco lançou o Plano Juncker, para investir 700 bilhões de dólares em sua infraestrutura no prazo de apenas cinco anos. Um plano semelhante para enfrentar as mudanças climáticas traria benefícios muito maiores para todos.
O segundo fator é a gigantesca massa de recursos financeiros em mãos de fundos de pensão, fundos soberanos, seguradoras e gestores de patrimônios privados buscando opções para sair de ativos em combustíveis fósseis crescentemente arriscados e problemáticos. Os mercados globais de bonds circulam 100 trilhões de dólares, e os de investimento 60 trilhões. Como mostra o sucesso recente das emissões de green bonds, uma parcela crescente deste montante estaria disponível para aplicar em infraestrutura sustentável de baixo carbono, desde que os riscos sejam reduzidos.
Há nesse universo uma cultura de aversão ao risco que apresentam investimentos com um grande dispêndio inicial (o upfront investment), longo prazo de maturação e retorno lento, que parecem menos interessantes em comparação com outros, notadamente os de caráter mais especulativo. No entanto, “ações de mitigação” (que resultam em emissões de GEE reduzidas, removidas ou evitadas) têm um “valor econômico, social e ambiental” intrínseco, reconhecido no Parágrafo 108 do preâmbulo do Acordo de Paris, cujo texto original foi apresentado pelo Brasil.
Como reduzir esses riscos e os riscos cambiais e de estabilidade política dos países hospedeiros? Garantias públicas de países industrializados que cubram uma parcela do investimento em projetos de baixo carbono nos países em desenvolvimento podem constituir um instrumento eficiente para alavancar capitais privados (o efeito multiplicador típico é de 12 a 15 vezes), a um custo bem menor (spreads 2,5 a 3,5% menores) e com prazos de amortização bem maiores (12 a 18 anos).
A reunião de cúpula convocada pelo presidente Emanuel Macron, que levou 127 países a Paris no dia 12 de dezembro, forneceu a oportunidade para um primeiro passo elementar nesse sentido. Com efeito, no âmbito do 5º novo compromisso assumido pelo governo da França, “Sair das energias do passado e acelerar o desenvolvimento das energias renováveis”, um dos pontos mencionados foi “o aumento do recurso às garantias públicas para desenvolver as energias renováveis nos países em vias de desenvolvimento”. Uma forma de realizar essa ideia seria a constituição de um Clube de Iniciativas Financeiras para enfrentar a Mudança Global do Clima, com mais governos além do da França, bancos centrais, bancos de desenvolvimento e agências multilaterais, fundos soberanos e investidores institucionais, dispostos a avançar na experimentação de novos mecanismos de financiamento baseados no valor das ações de mitigação.
O próximo passo seria a constituição de um Fundo Garantidor para financiamento de projetos de descarbonização nas áreas florestal, de energia, transportes, agricultura, etc. Esses parceiros, unidos, teriam como tarefa coletiva colocar sobre a mesa garantias públicas capazes de permitir uma condição AAA a projetos descarbonizantes em países onde, em condições normais, esses seriam proibitivos – entre eles o Brasil. Isto também forneceria uma contribuição importante ao cumprimento de outros compromissos internacionais assumidos no “One Planet Summit” de 12 de dezembro: “Ações dos bancos centrais e das empresas” (nº 9), “Mobilização internacional dos bancos de desenvolvimento” (nº 10), “engajamento dos fundos soberanos” (nº 11) e “Mobilização dos investidores institucionais” (nº 12).
O valor econômico intrínseco das ações de mitigação seria expresso em garantias públicas capazes de alavancar recursos muito maiores do setor privado, destinados não só aos investimentos propriamente ditos como também ao pré-investimento, para preparar um pipeline de bons projetos, hoje em falta: mesmo que houvesse a almejada disponibilidade de capital, há na atualidade – e não apenas no Brasil — um déficit de bons projetos que possam ser rapidamente executados.
Esta proposta foi elaborada por uma rede internacional de proponentes de novos mecanismos de financiamento com a participação de gestores públicos, acadêmicos e quadros do setor empresarial e do terceiro setor do Brasil, França, Índia, EUA e outros países, para ser colocada na ocasião dessa Cúpula, cujas características permitiram o lançamento de ideias mais audaciosas e ousadas do que as COPs da UNFCCC, dependentes do consenso de 196 governos e de uma visão dominante que ainda vê o financiamento da descarbonização sob a ótica de transferências líquidas intergovernamentais Norte-Sul. Pode ser um pequeno grande passo.
*Alfredo Sirkis é diretor executivo do Centro Brasil no Clima
*Emilio Lèbre La Rovere é professor titular da COPPE/UFRJ, autor de relatórios do IPCC e da Comissão Stiglitz-Stern.
http://alfredosirkis.blogspot.com/2018/01/novos-instrumentos-financeiros-para.html