Um dos efeitos inesperados da quarentena imposta em várias regiões do mundo tem sido uma melhora das condições ambientais. Na China e na Europa, houve significativa redução da poluição das regiões industriais onde a quarentena se implantou, a ponto de serem percebidas claramente pelas imagens de satélite. Em Veneza, nos canais sempre opacos e poluídos com óleo dos motores dos barcos já é possível ver a água cristalina e os peixes e aves retornando em poucos dias de fechamento para o trânsito.
O período crítico da Covid-19 deve derrubar as emissões globais de gases de efeito estufa, especialmente no setor energético, aos níveis mais baixos desde 2008. Por outro lado, o uso de materiais e embalagens descartáveis está aumentando rapidamente, e declinam os sistemas de coleta e reciclagem de resíduos.
Alguns destes efeitos são efêmeros e serão revertidos assim que a economia começar a se recuperar. Outros poderão perdurar por mais tempo, como a redução das viagens aéreas de negócios, que serão substituídas em grande medida por videoconferências, que são muito mais econômicas e eficientes.
Mas a relação de uma pandemia de doença infeciosa como a Covid-19 com o meio ambiente é bem mais intrincada e profunda. Nas últimas décadas, têm aumentando consideravelmente os surtos de doenças infeciosas originadas pela transmissão de animais, especialmente os selvagens. Contribuem para este aumento a rápida concentração da população em áreas urbanas:
– a criação de animais domesticados em grande escala e de forma confinada;
– a rápida degradação e redução dos ecossistemas, forçando animais selvagens a se aproximarem das aglomerações humanas;
– as mudanças climáticas que provocam a migração de animais para novas regiões, carregando patógenos exógenos.
A poluição do ar e da água afeta diretamente a resiliência das pessoas em relação às doenças infeciosas. Estudos realizados com a Sars, por exemplo, mostram que pessoas expostas à poluição tinham duas vezes maior probabilidade de morrer do que aquelas vivendo em ambientes com ar limpo.
A degradação dos ambientes e mudanças climáticas estão intrinsecamente ligadas à fragilidade e a ao nível de resiliência humana em relação aos surtos de doenças infeciosas. Para enfrentar e reverter esses dois fenômenos existem duas ações objetivas a serem feitas: acabar com a queima de combustíveis fósseis, substituindo-a por fontes renováveis de energia, e acabar com o desmatamento, combinando com reflorestamento a regeneração dos ecossistemas.
Estas duas ações combinadas atacarão mais de 80% das emissões de gases de efeito estufa do planeta, ao mesmo tempo que aumentam o sequestro de carbono, reduzem a poluição dos centros urbanos e promovem a restauração dos ambientes naturais. De quebra, ainda ajudam a recuperar a economia e promover um ambiente mais saudável para todos.
Artigo publicado no jornal O Globo