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Governos e sociedade se mobilizam na resposta emergencial à crise, na saúde, na proteção de empregos e no alívio aos socialmente vulneráveis. Nas economias avançadas, já se discutem pacotes de estímulo para reiniciar a economia após a superação da emergência médica.

O investimento público via pacotes de estímulo econômico não deve nos conduzir ao mesmo rumo que a economia global seguia antes da pandemia. A crise causada pela covid-19 não deve ser desperdiçada. É uma oportunidade para acelerar o alinhamento entre investimento e a transição para uma economia de baixo carbono. Estado e mercado devem focar investimentos em setores que conciliem a geração dos empregos necessários para recompor a oferta e demanda globais e superar a crise, ao mesmo tempo em que se amplia a resiliência às crises futuras.

No caso do Brasil, o debate até agora se concentrou nas medidas emergenciais. É preciso reunir a inteligência nacional num esforço de alinhamento entre as propostas de medidas de recuperação pós-pandemia com os objetivos já assumidos pelo Brasil de reduzir as emissões de gases de efeito estufa.

Para reduzir a fragilidade e a vulnerabilidade da economia brasileira no longo prazo, a melhor estratégia de ação é revisar e ampliar o escopo do PNA (Plano Nacional de Adaptação) e a ambição de nossa CNC (Contribuição Nacionalmente Determinada) para o Acordo de Paris, associados a um plano de alavancagem de investimentos privados alinhados aos objetivos de políticas públicas e medidas de recuperação da capacidade de consumo das famílias.

Nesse sentido, devemos priorizar os investimentos que contribuem para a descarbonização da economia e a redução das fragilidades históricas de nosso país, contribuindo assim para a retomada econômica no curto prazo e, ao mesmo tempo, o reposicionamento do Brasil como destino para investimentos externos.

CANALIZAR INVESTIMENTO PÚBLICO E PRIVADO PARA A NOVA ECONOMIA BRASILEIRA RESILIENTE E DE BAIXO CARBONO É O CAMINHO PARA SUPERARMOS A CRISE ATUAL

O Brasil possui uma enorme demanda por investimentos em infraestrutura. No entanto, grande parte dos projetos reunidos nos dois últimos pacotes governamentais — PAC e PPI — ainda foi baseada no paradigma desenvolvimentista dos anos 1970. Uma parte do inconcluso 2º Plano Nacional de Desenvolvimento tem dificuldade de se viabilizar devido aos grandes impactos socioambientais e a baixa conformidade com os padrões de investimento do século 21.

Antes da pandemia, o Brasil já enfrentava o baixo crescimento causado pela derrocada do investimento. A FBCF (Formação Bruta de Capital Fixo), medida a partir dos investimentos públicos e privados, atingiu 15,5% do PIB no primeiro trimestre de 2019, menor patamar dos últimos 50 anos.

Para alavancar investimentos, gerar empregos e superar a crise econômica precisamos de um novo ciclo de prioridades, e projetos produtivos e de infraestrutura alinhados à nova economia de baixo carbono, que contribuam para alavancar o investimento nacional e externo, gerar empregos e superar a crise econômica.

Duas agendas prioritárias têm potencial de rapidamente alavancar a retomada dos investimentos e a recuperação econômica brasileira.

1. Infraestrutura resiliente e de baixo carbono: O déficit brasileiro de infraestrutura é notório tanto nos grandes centros urbanos, onde vive a maior parte da população, quanto nas regiões produtivas do interior. Nossa infraestrutura atual também sofre com o déficit de resiliência e a baixa qualidade e disponibilidade de vias de transporte de pessoas e cargas, energia, comunicações e saneamento, o que impacta vidas e deprime a produtividade da economia brasileira. Uma nova geração de projetos de infraestrutura pode ser financiada com aprimoramentos regulatórios que garantam segurança jurídica aos investidores e instrumentos de mitigação de riscos associados a projetos greenfield em mercados emergentes como fundos garantidores e blended finance. Energia renovável, transporte sobre trilhos e navegação, internet de alta velocidade, gestão de resíduos e saneamento são algumas das prioridades nacionais que podem ampliar a segurança energética, melhorar a mobilidade nas cidades, produzir ganhos de produtividade e melhorar a saúde da população.

2. Precificação de carbono em toda a economia: A precificação de carbono é um instrumento para a correção de uma falha de mercado, externalidades negativas geradas pela atividade de grandes emissores de gases de efeito estufa hoje são financiadas por toda a sociedade por meio de perdas de produtividade, aumento da incidência de doenças respiratórias e vultosas transferências de renda dos setores produtivos para a indústria de combustíveis fósseis. Avançar a implementação da precificação de carbono por meio da revisão de subsídios à indústria do petróleo e gás, que hoje recebe incentivos superiores à 1% do PIB anual na forma de reduções de tributos e outros benefícios fiscais. A regulamentação do MBRE (Mercado Brasileiro de Redução de Emissões) e a obrigação de redução de emissões nos setores econômicos ainda alavancaria investimentos com o potencial de transformar a qualidade do crescimento brasileiro e financiar investimentos em atividades florestais, eficiência energética, energia renovável, modais de transporte de baixa emissão, gestão de resíduos e saneamento.

Canalizar investimento público e privado para a nova economia brasileira resiliente e de baixo carbono é o caminho para superarmos a crise atual e sairmos dela mais bem posicionados do que entramos. Os governos e o setor privado têm a oportunidade de criar uma economia com menos fragilidades e um planeta mais saudável.

*Gustavo Pinheiro é economista pela FGV-Eesp (Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas) e coordenador de economia de baixo carbono do Instituto Clima e Sociedade, com mais de 15 anos de experiência em políticas públicas relacionadas à mudança do clima.

https://www.nexojornal.com.br/ensaio/2020/N%C3%A3o-podemos-desperdi%C3%A7ar-a-crise-podemos-sair-dela-melhores