Para quem participou da COP 15, em Copenhague (Dinamarca), em 2009, a COP 26, em Glasgow (Escócia), desperta uma sensação de déjà vu. Muita chuva e frio, filas grandes para o credenciamento e a polícia à espreita para conter os mais exaltados nas inúmeras manifestações promovidas antes e durante o evento. Outra semelhança entre as duas conferências é um sentimento de descrença com uma pitada daquela pequena esperança que, como costumamos dizer, é a última que morre. A situação é muito preocupante! Se seguirmos nessa trajetória rumo ao aumento da temperatura do planeta, os eventos apocalípticos que, na época de Copenhagen, pareciam ainda distantes, se tornarão, num piscar de olhos, a nossa realidade. E vamos combinar que não faltam sinais. Nos últimos tempos, temos testemunhado, em diversos países, o crescimento no número de enchentes e ondas de calor, reservatórios de água casa vez mais vazios e o preço da energia nas alturas, entre inúmeros outros episódios extremos que são cada vez mais comuns e assustadores. E que, infelizmente, podem representar apenas um aperitivo do que está por vir.
Enquanto isso, no Brasil, Jair Bolsonaro continua preocupado mesmo é com a alta no preço do botijão de gás. Não é por menos! Precisamos lembrar dos 18 milhões de esfomeados, desemprego e inflação em alta e uma eleição se aproximando rapidamente. Entretanto, a incapacidade do Presidente em deixar a teimosia de lado e ser um pouquinho mais curioso sobre o tema faz com que o nosso país perca oportunidades valiosas de captar recursos em grande volume. O Brasil, não é segredo para ninguém, é um dos países que mais pode se beneficiar do que está sendo discutido aqui em Glasgow. São três pontos nevrálgicos que estão em negociação na COP 26: uma ambição maior nas metas estabelecidas, a regulamentação do mercado de carbono e a destinação de recursos financeiros para países em desenvolvimento. E o Brasil apresenta vantagens em relação aos outros países em todos eles. Mas, para que isso aconteça, é necessária uma mudança representativa na postura, nas metas e nos rumos da política ambiental brasileira.
A “pedalada” que o governo deu, em sua revisão da NDC, foi extremamente mesquinha. Para que se mantivesse a mesma ambição climática, após a revisão do inventário, a meta de redução para 2030 deveria passar de 43% para 57% na nova NDC. Em 2019, um estudo do Centro Brasil no Clima (CBC), em parceria como o Centro Clima (COPPE/UFRJ), para a Initiative for Climate Action Transparency (ICAT), mostrou que, a partir da adoção de medidas de mitigação recomendadas pelo Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas (FBMC), seria possível reduzir as emissões em 59% até 2025 e em 64% até 2030. Outro estudo, uma parceria do Centro Clima com o Instituto Tanaloa, com o apoio do Instituto Clima e Sociedade (iCS), mostrou que é possível alcançar 82% de redução nas emissões. A principal diferença deste segundo estudo em relação ao anterior foi a implementação do mercado de carbono.
O artigo 6 do Acordo de Paris, que está em detalhamento para o bom funcionamento do mercado de carbono, é uma oportunidade enorme para o Brasil que se beneficiaria ao agregar valor à economia. E de que forma isso aconteceria? A partir da redução do desmatamento e das emissões da agropecuária e da expansão da matriz renovável. Com investimentos em energia solar, eólica e no hidrogênio verde, o Brasil poderá ser, muito em breve, um grande ofertante de créditos para aqueles países que não conseguem atingir suas metas. Segundo EVA (2019) e Piris-Caaeza et al. (2016) o potencial do país é gerar uma receita total, até 2030, entre US$ 16 bilhões e US$ 72 bilhões.
O volume de recursos financeiros que o Ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite cita enfaticamente em recente artigo, publicado pelo Estadão, é completamente plausível do país receber, mas o Governo Federal precisa fazer o seu dever de casa e dar sinais políticos claros ao mundo. Hoje, não há dúvida, o grande problema ambiental do Brasil está na retórica política do Presidente da República, que gera, a partir de seus discursos, uma clara sensação de libertinagem e impunidade no que se refere aos crimes ambientais, principalmente o desmatamento. Isso sem falar nas ideias estapafúrdias que, rotineiramente, surgem a partir de seu governo como a renovação da indústria carvoeira.
E foi justamente devido à retórica adotada pelo Governo Federal, e por estarem cientes das inúmeras oportunidades abertas para o Brasil, que 25 chefes de executivos estaduais, reunidos por iniciativa do Centro Brasil no Clima, formaram o Governadores pelo Clima e passaram a adotar uma postura proativa para a negociação direta com Estados Unidos, União Europeia, Reino Unido e com outros importantes atores internacionais. Ainda esta semana, no dia 04, o movimento, presidido por Renato Casagrande, Governador do Espírito Santo, lançará, como mais uma comprovação de sua maturidade, o Consórcio Brasil Verde, no pavilhão do Brazil Climate Hub.
O Brasil tem todos os elementos necessários para se tornar um país referência em economia de baixo carbono. No entanto, é necessário um reenquadramento do pensamento de alguns que, como parece pensar o Vice-Presidente da República, General Hamilton Mourão, política ambiental é coisa de esquerda. Política ambiental é política de estado e não de governo. O Governo Federal precisa deixar que nossos competentes diplomatas trabalhem com flexibilidade em relação ao artigo 6; definir metas mais ambiciosas que, diferentemente do que muitos insistem em afirmar, poderão ser facilmente cumpridas e principalmente coibir a atuação dos bandidos que atuam na Amazônia. Se assim for já teremos um caminho extremamente promissor pela frente. E indo além, afinal a esperança é a última que morre, se o Presidente da República mudar a sua retórica e der sinais claros de que o Brasil está realmente disposto a se alinhar com o que há de mais moderno no mundo, poderemos voltar a assumir o protagonismo na árdua luta contra as mudanças climáticas.
*Guilherme Syrkis é diretor executivo do Centro Brasil no Clima
*Artigo publicado em 01/11/2021 – Estadão