Skip to main content

Hoje já se sabe que o debate sobre as mudanças climáticas é multidisciplinar e transversal a quase todos os campos da vida pública. A agenda climática interfere na política institucional, nos indicadores econômicos, na forma como a sociedade interage, entre diversos outros aspectos cotidianos. No entanto, a relação entre as mudanças climáticas e segurança ainda hoje é pouco debatida. Parte disto se dá porque o conceito de segurança é múltiplo: concepções mais tradicionais de segurança levam em conta a segurança nacional – temáticas ligadas à defesa, como ameaças externas, fronteiras, guerras, entre outros – e a segurança pública, ou seja, agendas securitárias domésticas, como crime organizado. Perspectivas de segurança mais novas, no entanto, já pensam a segurança mais centrada no indivíduo – e não no Estado – e já colocam em debate como segurança humana, segurança alimentar e segurança sanitária.

Nestas novas agendas securitárias, as mudanças climáticas têm tido mais espaço. Graças a elas, hoje já se sabe, por exemplo, que as mudanças climáticas afetam de forma direta a segurança alimentar de uma população ou a segurança sanitária de uma localidade; são os casos ligados à escassez de água, por exemplo. Além disso, hoje já parece ser consensual a relação entre mudanças climáticas e migrações, já que desastres climáticos e ambientais já obrigaram que as categorias de migrante e refugiado climático fossem criadas. É o caso, por exemplo, dos habitantes de ilhas do Pacífico que, frente às mudanças climáticas e, consequentemente, ao aumento dos níveis dos oceanos, correm o risco de serem inundadas. Outro caso clássico são os refugiados ambientais e climáticos no Haiti após o grave terremoto de 2010. Não é necessário, no entanto, ir tão longe: no Brasil, já temos deslocados por razões ambientais e climáticas.

Por outro lado, é hora de entendermos que as mudanças climáticas afetam a segurança em todos os seus aspectos: já se sabe hoje que questões climáticas são pontos centrais e disruptivos em diversos conflitos armados, como em casos em que recursos são eixo nuclear da disputa. No entanto, é mais que isto: as mudanças climáticas intensificam e complexificam conflitos sociais já existentes, já que mudam a configuração e o padrão de relação com recursos naturais – sempre escassos; consequentemente, transformam relações territoriais e comunitárias – o que, no caso latino-americano e, principalmente, brasileiro, tem potencial explosivo. No caso do Brasil, isso tem se mostrado particularmente dramático na Amazônias: pilhagens e mineração ilegal, muitas vezes articuladas com facções de grande porte e, consequentemente, ligadas ao tráfico de ilícitos, desmatam; isto se dá ao mesmo tempo em que o desmatamento dificulta a subsistência de populações locais, que veem no crime alternativa para geração de renda.

Desmatamento e extração mineral muitas vezes reforçam o submundo criminoso e estimulam um ciclo vicioso de mudança climática, subdesenvolvimento e insegurança. […] Imensos conglomerados mineradores estão invadindo terras indígenas e poluindo solo e rios. A mineração ilegal de ouro tornou-se um negócio enorme na região, tanto por grandes empresas quanto por grupos improvisados (ABDENUR; SZABÓ; MUGGAH, 2019).

As mudanças climáticas e a segurança, em suas diversas formas, se relacionam de forma indireta, sobretudo porque emergências climáticas afetam principalmente aquelas e aqueles que subsistem em condições de vulnerabilidade. As mudanças climáticas afetam o indivíduo, que perde sua capacidade de garantir segurança alimentar e sanitária, mas também são intensificadores de conflitos sociais já existentes, acelerando e acentuando possibilidades de conflitos armados, sejam de pequena ou de larga escala. Na realidade brasileira, já se nota hoje relação entre mudanças climáticas e nosso maior problema em termos de segurança pública atualmente: o crime organizado; já se tem indicativos, inclusive, de  que são processos que se retro-alimentam. Fica claro, portanto, a urgência de se pensar na agenda climática com mais atenção e seriedade.

Referências:

ABDENUR, Adriana; SZABÓ, Ilona; MUGGAH, Robert. Crime organizado na Amazônia ameaça sobrevivência coletiva. Artigo publicado no jornal Folha de São Paulo em 17/03/2019. Disponível em: https://bit.ly/39qsvhS.