Coordenador da organização Climate Reality Project Brasil, Sérgio Besserman fala sobre o papel que jovens líderes podem ter ao ajudar o país a encarar os desafios da crise do clima
Para um enorme país que ainda não compreendeu a dimensão e complexidade dos profundos problemas gerados pelas mudanças climáticas, a solução passa por formar novas cabeças pensantes capazes de resolver essa desafiadora equação e buscar justiça climática no Brasil.
A opinião é do economista e ecologista Sérgio Besserman, que coordena a Climate Reality Project Brasil, uma organização global representada no país pelo CBC (Centro Brasil no Clima). As entidades recrutaram 7.800 jovens brasileiros para um treinamento online e gratuito que teve início em agosto e oferece ferramentas, conhecimento específico e a possibilidade de participar de uma rede de atuação contra a crise climática.
O perfil buscado é diverso: variadas origens, diferentes formações e múltiplos perfis. A diversidade, segundo o coordenador, é um ponto-chave no desafio climático. “Populações diversas têm contribuições e conhecimentos imprescindíveis à luta por transformações históricas”, disse ao Nexo Besserman, que estuda as consequências econômicas e sociais da mudança climática global desde 1992. Ele foi presidente do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico e do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Os participantes terão acesso à rede do Climate Reality Project, com mais de 42 mil ativistas que representam mais de 170 países no mundo. A organização foi fundada pelo ex-vice-presidente americano e Prêmio Nobel da Paz Al Gore. No Brasil, conta com um time de cientistas, ativistas e representantes de populações brasileiras impactadas pela crise do clima. Ainda não há previsão para uma nova turma do curso no país.
Nesta entrevista ao Nexo, Besserman falou sobre a urgência em formar jovens lideranças no país, cujo papel é de suma importância no desafio de impedir os piores cenários de aquecimento global. “A diferença maior é que a transição para o baixo carbono é, para o Brasil, muito mais uma oportunidade do que um custo. E necessariamente passa pela redução da desigualdade, cicatriz maior da sociedade brasileira”, disse.
O que é um líder climático e por que é importante formar esse tipo de liderança atualmente?
SÉRGIO BESSERMAN Um líder climático se engaja ativamente das mais diversas formas e intensidades com organizações, coletivos e redes parceiras para atuar contra o aquecimento global e a favor da justiça climática. A importância da formação se dá pelo alcance às pessoas mais vulneráveis, que é a população de baixa renda, os oprimidos pelo racismo estrutural e discriminação de gênero. A formação oferecida pela organização global Climate Reality Project Brasil permite a troca de conhecimentos, a promoção de networking, realização de atividades culturais relacionadas e acesso a movimentos locais, regionais e globais.
De que forma atua uma liderança climática e como seu trabalho se materializa? É especificamente por meio do ativismo climático ou há também outras áreas de atuação?
SÉRGIO BESSERMAN Há uma grande diversidade de formas de engajamento, o que permite aos líderes de todo o Brasil optarem pelos temas com os quais estão mais envolvidos e com a intensidade que desejam de acordo com o momento de suas vidas. Além do ativismo, ser um líder climático facilita a relação com as mais diversas redes nacionais e globais e o acesso ao conhecimento sobre as mudanças do clima; conhecimento este que vem tanto da academia quanto dos povos originários e populações locais que já estão observando os impactos diretos das mudanças climáticas sobre suas vidas.
Qual o perfil de uma liderança climática em potencial? No caso deste curso, quais habilidades exigidas para participar e quais vocês ajudam a desenvolver?
SÉRGIO BESSERMAN Pessoas de todos os perfis, com diversas formações e traços de personalidade têm oportunidade de participar e colaborar com a discussão de um dos grandes temas da história desse século, que é o fim da civilização fóssil. A diversidade que ambicionamos e para a qual trabalhamos muito na construção desse treinamento será a maior força do Climate. Não há necessidade de habilidades especiais para participar do curso e os líderes podem desenvolver mais habilidades pelas mais diversas formas de engajamento e criação de iniciativas.
Por que a organização escolheu promover a formação no Brasil?
SÉRGIO BESSERMAN O Brasil é muito importante no desafio de impedir os piores cenários de aquecimento global, seja por conta das emissões decorrentes do desmatamento da Amazônia e Cerrado, seja considerando o âmbito das soluções sociais, tecnológicas e culturais. A diferença maior é que a transição para o baixo carbono é, para o Brasil, muito mais uma oportunidade do que um custo. E necessariamente passa pela redução da desigualdade, cicatriz maior da sociedade brasileira.
A organização focou a formação em grupos diversos, com vagas preferenciais para jovens negros, indígenas, LGBTI+ e quilombolas. Por que essa escolha?
SÉRGIO BESSERMAN Em primeiro lugar, porque diversidade é força e essas populações têm contribuições e conhecimentos imprescindíveis à luta por transformações históricas tão fundamentais. E também porque qualquer desigualdade, exclusão ou discriminação aumenta significativamente os riscos de vulnerabilidade aos impactos das mudanças do clima. É profundamente injusto que essas populações, muitas vezes engajadas na luta pela sustentabilidade sem que para isso recebam nada em troca, sofram as consequências do aquecimento global, agravando ainda mais as suas condições de vida.
Por que as mudanças climáticas impactam ainda mais os grupos minorizados? No Brasil, com sua herança escravocrata, o racismo é um desafio a mais quando falamos de clima?
SÉRGIO BESSERMAN Com toda a certeza! O racismo estrutural, tão fortemente impregnado na sociedade brasileira, o que pode ser demonstrado pelo trágico numero de milhares de jovens negros assassinados todos os anos no país, é um fator de vulnerabilidade aos impactos das mudanças climáticas. São essas pessoas que vivem nos lugares mais vulneráveis, têm menos recursos para se defenderem, possuem menos acesso às políticas públicas e, em função disso, maior necessidade de organização e articulação para exigirem o planejamento e a execução das políticas públicas e obras para adaptação do nosso modo de vida atual aos impactos que virão.
Em ano de eleições, como avalia a atenção dada à pauta climática e como o Brasil se compara a outros países na discussão política sobre o clima?
SÉRGIO BESSERMAN A maior parte das forças políticas de oposição incluiu em seus programas de governo seções dedicadas à economia verde e mudanças do clima, refletindo o maior interesse da população, especialmente os jovens, por essa temática e uma compreensão de que o futuro do país e do seu desenvolvimento depende dela. Além disso, muitos eventos climáticos extremos já estão ocorrendo e provocando sofrimentos, perdas e prejuízos. Candidatos de vários espectros e posições políticas estão conversando com o Climate e outras organizações sobre o clima, solicitando fontes de conhecimento e buscando formas de engajamento no tema. Não observamos um número maior de líderes climáticos se candidatando. O Brasil está atrasado na integração do desafio climático ao seu desenvolvimento econômico e social e no planejamento e execução das políticas públicas municipais, estaduais e nacional. O atraso também é percebido entre os tomadores de decisão, em entender o tamanho do desafio e a profundidade das transformações necessárias no país. Mas isso está mudando e os líderes climáticos têm impulsionado essa mudança.