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Com a imagem internacional amplamente deteriorada devido ao avanço sistemático do desmatamento e da inexistência de uma política ambiental da União, lideranças políticas regionais do Brasil e ambientalistas investem na “paradiplomacia” para estabelecer uma agenda favorável à redução da emissão de gases do efeito-estufa, controle da devastação florestal e transição para a economia verde. O vácuo deixado pelo governo Bolsonaro tem sido preenchido por coalizões de governadores e ações locais específicas, mas os efeitos práticos dessas parcerias ainda são limitados e muitas vezes esbarram em burocracias para obter financiamento, sobretudo internacional, já que não contam mais com a anuência ou empenho federal na agenda das mudanças climáticas.

A estratégia de traçar contrapontos regionais e locais ao governo Bolsonaro ficou clara na COP 26, em novembro do ano passado, quando 24 governadores subscreveram o chamado Consórcio Brasil Verde e se comprometeram com metas de carbono neutro até 2050. Além disso, também evoluíram, de 2021 pra cá, planos traçados pelo Consórcio da Amazônia Legal (nove Estados) e Consórcio Nordeste (nove Estados). Até esta semana, 20 governadores assinaram o protocolo final do Consórcio Verde. A partir de agora, precisam contar com o aval das Assembleias Legislativas para aprovar os termos do protocolo e colocar ações em prática. O coordenador do Consórcio Verde, o governador do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB), acha que há possibilidade de os Estados resolverem essa pendência nos Legislativos ainda em 2022, a despeito do calendário eleitoral.

“Nosso protagonismo neste tema de proteção florestal, sustentabilidade e mudanças climáticas é decorrente da ausência do governo federal”, afirma Casagrande. Segundo ele, até o final deste ano o Consórcio Verde estará legalmente formatado. Cada Estado, explica, precisa ter concluído seu Plano Estadual de Mudanças Climáticas e de neutralidade de carbono.

A formalização do Consórcio Verde, afirma Casagrande, é relevante para que os Estados possam contar com parcerias técnicas padronizadas e uniformizadas. No entanto, ele reforça que muitos Estados já possuem programas de energia renovável e recomposição florestal, como é o caso do Espírito Santo, que estão em curso enquanto o consórcio de governadores não vira realidade. “Ninguém está esperando formatar o consórcio para começar a trabalhar. O consórcio é para ter peso político nos debates nacional e internacional.”

As ações regionais precisam estar organizadas, sustenta o coordenador do Consórcio Verde, “num grande programa com diretrizes para trabalhar a redução das emissões com energia renovável, eficiência energética, mas também captura de CO2 da atmosfera, que é trabalho de reflorestamento”. O Programa Reflorestar, no ES, é um exemplo: foram reflorestados, de 2011 até agora, 13 mil hectares e regenerados 175 mil hectares de floresta. O Estado não conta com apoio financeiro federal para ações de políticas ambientais.

De acordo com Guilherme Syrkis, diretor-executivo do Centro Brasil no Clima (CBC), a concertação “Governadores pelo Clima”, na COP 26, foi crucial para a conscientização das lideranças regionais para a emergência climática. O CBC dá apoio técnico aos Estados para a elaboração de inventários (levantamento de atividades econômicas do Estado que emitem CO2 de forma significativa) e planos ambientais, com estruturação das secretarias. O think tank também é um dos responsáveis pelas articulações dos governadores do Consórcio Verde com atores internacionais. Um dos exemplos recentes foi a reunião com 27 ministros conselheiros da União Europeia para discutir problemas de rastreabilidade de gado.

Syrkis diz que o primeiro momento foi de conscientização e abertura de diálogos internacionais, mas que, agora, os próximos passos do Consórcio Verde precisam ser efetivos. “De nada adianta mandar carta para [Joe] Biden, assinar, e não colocar nada em prática. Seria maravilhoso se os Estados apresentassem os seus respectivos planos de ação na COP 27”, diz.

O Consórcio Brasil Verde quer trazer uma padronização no enfrentamento das mudanças climáticas. Se o país tiver política ambiental clara e afirmativa, os recursos internacionais disponíveis serão fartos, diz Syrkis. O país, no entanto, precisa desenvolver uma governança ambiental e compliance para tais desafios.

Uma das ações mais celebradas na governança regional foi o Plano de Recuperação Verde (PRV), assinado pelos nove Estados que integram o Consórcio da Amazônia Legal. Em agosto do ano passado, todos os Estados apresentaram seus planos e projetos à Leaf Coalition (Lowering Emissions by Accelerating Forest Finance), anunciada pelo presidente dos EUA, Joe Biden, como investidora de US$ 1 bilhão em projetos para proteção de florestas tropicais e desenvolvimento sustentável só em 2021.

“Todos os Estados apresentaram seus planos, o consórcio consolidou, e tomamos todas as providências para habilitar os sistemas estaduais a receberem recursos da Coalisão Leaf. Precisávamos de uma carta de anuência do governo federal para termos acesso aos recursos. O governo federal nunca nos deu”, afirma ex-governador do Maranhão, Flávio Dino (PSB), que coordenou o Consórcio da Amazônia Legal. Segundo ele, todas as tratativas com Itamaraty, Ministério do Meio Ambiente e conversas com o vice-presidente Hamilton Mourão não surtiram resultado.

“Houve uma espécie de compreensão de que com o atual ambiente político, de eleição presidencial, iniciativas como essa não vão prosperar, porque o atual governo não acredita na economia verde. Cada Estado, então, passou a priorizar o seu projeto. O Maranhão, por exemplo, assinou agora com o governo da Alemanha, via Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola (Fida), das Nações Unidas, o Projeto Amazônia de Gestão Sustentável (PAGES), com US$ 37 milhões”, conta Dino.

O projeto, que deve receber os primeiros aportes em outubro, tem como objetivo beneficiar 20 mil famílias nas regiões do Gurupi, Amazônia maranhense e Pindaré, reduzindo a pobreza rural generalizada e devastação ambiental. Com duração de seis anos, o projeto pretende reduzir 6 milhões de toneladas de CO2. Para o ex-governador, o que vai prosperar nos Estados são iniciativas próprias, e projetos mais robustos, como retomar o Fundo Amazônia, vão ficar dependendo do resultado da eleição presidencial.

Ao final de junho, no Fórum de Governadores, será anunciado o programa Fortalecimento das Cadeias Produtivas da Bioeconomia, também fruto do PRV e das parcerias feitas por governadores na COP 26. Os Estados da Amazônia Legal terão R$ 108 milhões para investir no programa, explica Ticiana Álvares, assessora técnica do Consórcio Amazônia Legal. O PRV tem quatro eixos estruturantes: 1) combate ao desmatamento ilegal; 2) desenvolvimento produtivo sustentável; 3) tecnologia verde e capacitação; e 4) infraestrutura verde, diz a assessora.

A redução do desmatamento ilegal deve ocorrer até 2030. As análises técnicas feitas até o momento pelos Estados, informa Álvares, apontam “a possibilidade de redução entre 10% a 15% de desmatamento ao ano”. “Entretanto, para que sejam alcançadas essas metas, faz-se necessário que os Estados tenham acesso a recursos externos, sejam eles provenientes do governo federal ou de fundos internacionais”, reforça. Mas, segundo Álvares, não existem recursos federais para os projetos.