Skip to main content

O mundo foi convocado a acordar de um transe, durante a Assembleia Geral da ONU. O secretário-geral da ONU, António Guterres, foi duro nas palavras e lembrou que estamos na rota de aquecimento médio de 2.7 graus Celsius até o fim do século, muito acima do limite considerado seguro (de 1.5 graus) segundo a ciência. É preciso romper a inação e dar às novas gerações motivos para acreditar que governos ainda são dignos de confiança e capacidade para resolver esse problema.

Relatório publicado pela Convenção Quadro sobre Mudança do Clima (UNFCCC) às vésperas da Assembleia Geral traduziu em números de emissões a diferença significativa entre necessidade e ambição para a descarbonização: chegaremos em 2030 com apenas 12% de redução das emissões globais em relação a 2010, sendo que a recomendação do Painel Intergovernamental de Mudança do Clima (IPCC) é de um corte de 45%.

O Brasil é um dos países que está nos holofotes de Guterres e também da comunidade internacional, por sua contribuição significativa a esse problema. Nesse sentido, são três as grandes cobranças em relação ao nosso país: credibilidade, ambição e visão. Mas tais questões não permearam a participação do presidente brasileiro na Assembléia Geral deste ano.

Sobre credibilidade, Jair Bolsonaro anunciou que o Brasil se comprometeria com a neutralidade de emissões até 2050. A fala original foi na cúpula convocada pelo presidente americano Joe Biden, em abril último. Hoje, Bolsonaro repetiu essa promessa em seu discurso.

O gesto, no entanto, nunca ganhou forma: nossa chancelaria não submeteu esse número à ONU como compromisso firme dentro do prazo de inscrição das novas contribuições nacionalmente determinadas (NDCs) em julho deste ano. O Brasil também não desenvolveu, de abril para cá, uma estratégia de longo prazo, como fizeram outras 28 nações, inclusive México e Colômbia na nossa região. Na verdade, não houve tampouco a incorporação de tal diretriz em decretos, portarias ou outras normas domésticas. Portanto, o que Jair Bolsonaro disse ao mundo em abril e hoje não passam, até agora, de palavras ao vento. Palavras que ocupam espaço e animam interlocutores internacionais, enquanto faltam ações e resultados concretos para guiar os seus próximos 15 meses de gestão.

Quanto à ambição, até agora o Brasil é um dos poucos países que não melhorou sua meta de redução de emissões para 2030. No relatório da ONU já citado, entramos com a NDC atualizada em dezembro de 2020, proposição cuja qualidade foi questionada em diversas avaliações técnicas, nacionais e internacionais.

Estudos do WWF Internacional, do Climate Action Tracker e do World Resources Institute apontaram que a atualização feita pelo governo Bolsonaro se tratou de um retrocesso em relação à meta de 2016. Isso porque o Brasil poderá aumentar suas emissões nesta década e, com isso, deixar de atender ao princípio da progressividade dos compromissos, exigido pelo Acordo de Paris. Esse ponto virou objeto de ação judicial doméstica e ainda poderá ser questionado por pares dentro da Convenção do Clima. Uma vulnerabilidade desnecessária: bastaria que o governo recuperasse o número anterior absoluto de emissões do ano 2005 e estaria livre desse problema. Não o fez e não pretende fazê-lo, como explico a seguir.

Por fim, Bolsonaro irá lançar um plano de implementação da NDC e essa será a sua grande “entrega” à COP-26, a ser realizada em novembro, em Glasgow. O perigo é prático e real: implementar tal meta significa permissão para manter a taxa de desmatamento até 2030, ou seja, 10 mil km² anuais em média, segundo cálculo do Seeg.

Levar essa referência para o campo dos investimentos e dos negócios pode ser desastroso. A redução da taxa de desmatamento medida pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) é hoje um dos principais indicadores de credibilidade do Brasil no mundo. De Cingapura à Nova Iorque, os investidores estão acompanhando nosso desempenho e calibrando suas decisões.

Seguir a NDC de Bolsonaro à risca significa validar o desmatamento como um risco sistêmico a nossa economia e aumentar o nível de alerta de quem busca atrair parcerias e investimentos internacionais. Para o mundo, significa que o ponto de colapso da floresta amazônica – estimado em torno de 25% de acúmulo do desmatamento pelos cientistas – ficará cada vez mais próximo.

Não foi à toa que o Presidente tirou da cartola em seu discurso à ONU um número positivo de redução dessa taxa no mês de Agosto de 2021, comparando-o com Agosto do ano anterior. No entanto, foram perdidos cerca de 22.000 km2 de floresta amazônica nos dois primeiros anos do governo Bolsonaro. A Bolsonaro, falta conectar neutralização climática no longo prazo com sinais de curto prazo, inclusive para guiar os investidores interessados em projetos de infraestrutura, que também estarão sujeitos a riscos climáticos.

Mas o governo ainda está encarando o problema público da mudança do clima como uma questão de imagem, algo evidente inclusive pela inclusão de adjetivos como “sustentável”, “baixo carbono” e outros no discurso presidencial à UNGA neste ano. Infelizmente, não se trata apenas disso. Por isso, os remédios publicitários não farão efeito.

É preciso tomar decisões que têm custo político mas que nos trarão benefícios reputacionais e financeiros. Dentre elas, a de combate irredutível das ilegalidades ambientais e de fortalecimento das autoridades ambientais. Nesse campo, a visão do governo continua a mesma da campanha presidencial de 2018. E, por isso, uma de suas marcas são os 10 mil km² anuais de perda de floresta amazônica. A título de comparação, a marca do governo Temer foi de 7 mil km2, em média. A de Dilma, 6 mil.

O Brasil está formalmente orientado a se manter em modo “inação climática” enquanto Bolsonaro for presidente, andando na contramão do desenvolvimento que queremos e da estabilidade climática que o mundo precisa. Ele pede investimento no futuro do país, mas não apresenta ao mundo uma visão de futuro na qual vale a pena investir.

Natalie Unterstell é presidente da Talanoa, think tank dedicado à política climática e conselheira do Centro Brasil no Clima. 

*Artigo publicado no Jornal O Globo, em 21 de setembro de 2021.