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Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) estabelecidos pelas Nações Unidas fazem parte da uma nova estratégia global para uma agenda de desenvolvimento, que reflete os novos desafios globais presentes num planeta habitado por mais de 7,7 bilhões de pessoas. O objetivo 11 – Cidades e comunidades sustentáveis – se refere a “tornar as cidades e os assentamentos humanos seguros, resilientes e sustentáveis”, ou seja, até 2030 os países devem garantir o acesso à moradia digna; urbanizar os serviços precários, com especial atenção para os grupos em situação de vulnerabilidade; reduzir significativamente o número de mortes e de pessoas afetadas por catástrofes; proporcionar o acesso a sistemas de transporte seguros, acessíveis e sustentáveis; reduzir o impacto ambiental per capita das cidades, com destaque para a melhoria da qualidade do ar; aumentar a urbanização inclusiva e sustentável; e o acesso a espaços públicos seguros, acessíveis e verdes.

Numa economia verde, o crescimento econômico é pautado na geração de emprego e renda, no contexto do desenvolvimento sustentável e erradicação da pobreza. Obras de infraestrutura geram empregos e ajudam a movimentar a economia, com isso, será necessário um esforço conjunto no investimento em infraestrutura para países mais pobres, ampliando assim o acesso a transporte e energia, como também um “retrofit” da infraestrutura dos países em desenvolvimento. Por que não aliar novas práticas sustentáveis para descarbonizar uma nova economia e nos adaptar às mudanças climáticas?

Muitas cidades brasileiras possuem infraestruturas de drenagem urbana obsoletas, sendo assim, é necessário promover uma expansão e adequação. Para agravar anda mais essa situação, é esperado um aumento na frequência e na intensidade de eventos climáticos extremos, como recordes de temperatura, chuvas intensas e inundações nas cidades nos próximos anos, como consequência das mudanças climáticas. Nessa ótica, é urgente a necessidade de se investir em infraestruturas mais adequadas e inteligentes, sendo aquelas baseadas na natureza consideradas formas eficazes e eficientes de tratar os problemas relacionados às águas urbanas, além de trazerem outras vantagens importantes.

Esse tipo de infraestrutura, também chamada de “infraestrutura verde”, tem como característica principal o uso de vegetação e princípios da ecologia e biofilia para a realização de serviços e processos que ocorrem naturalmente no meio ambiente para trazer diversos benefícios às cidades. Dentre eles, podem ser citados: a diminuição da água escoada, e, consequentemente a redução de enxurradas e enchentes; melhoria do microclima urbano (que será essencial para o enfrentamento do fenômeno de ilhas de calor nos próximos anos); aumento da biodiversidade local; melhoria das condições locais e valorização do entorno (trazendo ganhos econômicos e sociais diretos e indiretos); serviço de regulação, captura de CO2, melhoria da qualidade do ar, lazer para a população, espaço para produção de alimentos, entre outros. Verifica-se que todos esses benefícios serão cruciais para o combate às mudanças climáticas, principalmente em termos de adaptação.

Em 2017, estudo desenvolvido pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) estimou que o mundo poderia economizar US$ 1 trilhão por ano, se investisse em infraestrutura verde e, atualmente, com a crise causada pela doença do coronavírus  (COVID-19), a sociedade se viu carente de mais espaços verdes nas cidades. A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda um valor mínimo de 12 m² por habitante de área verde. No entanto, pensando na realidade de muitas cidades brasileiras, ainda mais considerando regiões que recebem pouca atenção do governo ou foram construídas de forma desordenada, como é o caso das favelas, esse número está longe de ser alcançado. Todas essas características justificam o investimento em infraestruturas verdes.

Essas soluções podem ser aplicadas desde a escala das edificações, como coberturas, muros e fachadas verdes; de bairros, como hortas ou fazendas urbanas, jardins de chuva, sistemas de tratamento de esgoto filtrantes (alagados construídos), valas vegetadas; ou até mesmo entre cidades, como parques lineares de grande extensão. Em algumas cidades, principalmente de países europeus, já se fala das chamadas florestas urbanas que podem ser uma solução bastante interessante para a recuperação de áreas degradadas, que podem ser integradas a parques, praças ou corredores verdes, fazendo uso das soluções descritas, contribuindo para além para das questões citadas, para a maior mitigação das mudanças climáticas, já que o reflorestamento é uma das medidas mais baratas para o sequestro de CO2. Como um dos maiores problemas atuais nas cidades é a grande taxa de impermeabilização do solo urbano, todas essas soluções podem contribuir para que a água infiltre em vez de ser escoada. Sendo soluções também indicadas para a chamada “cidade esponja” que como o próprio nome diz, representa o potencial das cidades absorverem as águas pluviais.

A partir do que foi discutido no presente artigo percebe-se o grande potencial da infraestrutura verde para à adaptação das cidades às mudanças climáticas, além de proporcionar vários benefícios indiretos, incluindo melhorias para a qualidade de vida da população, ainda mais se considerarmos as “novas” necessidades na infraestrutura das cidades pós-pandemia da COVID-19.

*Andrea Souza Santos é professora do Programa de Engenharia de Transportes (PET/COPPE/UFRJ) e uma das fundadoras do Centro Brasil no Clima (CBC), é também Secretária Executiva do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas e Vice coordenadora do Fundo Verde da UFRJ. Atua como autora colaboradora no capítulo de transportes do Grupo de Trabalho 3 do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC).   

*Lucas Rosse Caldas é pesquisador do Núcleo de Ensino e Pesquisa em Materiais e Tecnologias de Baixo Impacto Ambiental na Construção Sustentável (NUMATS/COPPE/UFRJ). Professor na Pós-Graduação Executiva em Meio Ambiente da COPPE/UFRJ e ministra cursos profissionalizantes sobre construções e cidades sustentáveis no Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-RJ).